Julio Barroso

30 anos se passaram. Não é mero saudosismo, porque hoje eu vivo o melhor tempo da minha vida, disparado !
Há 30 anos, bem por esta época do ano, eu andava atordoado com a súbita e absurda morte do amigo Júlio Barroso.
Um transformador, de fulgurante trajetória como estrela no universo pop, Julio foi um Midas ( na mais excelente acepção desse título ) da criatividade. Presto aqui, e em qualquer lugar, agora e sempre, minhas homenagens. Muito já se falou a respeito dessa morte, e às vezes, em nome do mito de uma “transgressão geracional”, ( já li em algum lugar, em alguma bosta de “biografia polêmica” que me recuso a citar aqui) de uma forma gratuitamente chocante e vulgar.
Julio era fino, elegante, sutil e amoroso, um lorde, um verdadeiro poeta. (tive o privilégio de conviver com ele e com Paulo Leminski, vejam só…) Na minha vida, muito particularmente, Julio amplificou as sensuais aragens libertadoras da poesia, da vanguarda mallarmaica, rimbaudiana, kerouacquiana, a urgência e a alegria do pensamento veloz, vulcânico, generoso e puro, sem a maldade do pragmatismo utilitário, um lançador de cometas e de super-novas nos insondáveis Universos abissais da mesmice…
Outro dia, postei que adoro uma música do The Cure, “Push” , de um disco que saía justamente em agosto de 85, um ano depois, quando eu já estava morando no Rio…. ( The Head on the Door ). Não foi por acaso. Eu pensei que fosse, mas é a mais óbvia sincronicidade…Serendipidade…No refrão, o genial Robert Smith diz : “Go, Go, Go…Push him away…! … Go,Go, Go, Don’t let him stay… !!!” , como a me advertir para a absoluta urgência da vida, ainda mais diante da morte, uma sensação recorrente ( para quem entende o que eu quero dizer ) que nos empurra, de trambolhão e sem a menor sutileza, para o momento seguinte de nossas existências. A morte soa como um alarme, seja a morte física de um amigo, parente, ídolo , de um animal de estimação, ou mesmo a morte simbólica de uma relação, a morte de uma situação de trabalho, a morte de uma situação de amizade, a morte de uma auto-imagem, a morte de um projeto, de um negócio, a morte de uma fase, de uma ótica de vida, de uma ilusão, morte de uma inocência, de um vício, de uma mania, morte de um ceticismo, morte de uma crença, é sempre a morte que acompanha a vida, em permanente paradoxo metafísico . E viver é justamente o dom de se transformar, estar em movimento de superação, e de eterna imperfeição. Só a morte parece perfeita, estática, como um ponto final. Mas nem mesmo ela, em sua perfeita beleza estática, consegue estancar o Processo, do qual ela é apenas um elo na corrente…Dêem a isso o nome que quiserem…Pra mim tudo serve : o materialismo ateu ou o espiritualismo de qualquer religião, tudo faz todo sentido do mundo para mim, que é de não haver nenhum sentido diante da morte. Naquele momento, eu, que já havia experimentado esse baque , essa impulsão da morte tantas vezes, e dela já havia tirado partido em tantas, tantas fases de reconstrução da minha vida, eu percebia muito bem que, mais do que a perda absurda e inesperada de um amigo tão querido, havia chegado a mais um doloroso rito de passagem. Quantas vezes pude compartilhar da genialidade de Julio Barroso… E como ele era genial e generoso, quantas vezes eu também pude ser genial e generoso para com Julio, tendo o privilégio de ajudar em seu processo criativo, me doando em criações e momentos brilhantes de parceria, Julio me tinha como uma espécie de guru…Que boa lembrança ! Também a profunda amizade com sua irmã, a querida Denise… que partiria também, anos mais tarde, depois de dedicar um livro maravilhoso ao irmão poeta… Por causa dessa(s) morte(s), eu me atiraria corajosamente ao meu destino, assinaria com a CBS, metendo a cara de vez ( e sem nenhum medo de ser feliz, sem melindres com o “sucesso”) no pop que eu tão bem havia aprendido a fazer ( e muito havia aprendido justamente com Julio ) e mudaria para o tão sonhado ( e juliobarroseano) Rio de Janeiro, para o ensolarado Posto Seis na divisa de Copacabana com o Arpoador, tendo trezentos graus de mar nas janelas, desde o Pão Açúcar, Copa, Forte, Diabo, Arpoador, Ipanema e Leblon até os Dois Irmãos e o Vidigal lá no finzinho do horizonte…E, por esses dias, nesta época do ano, tendo à janela o mar azul, o sol dos verões, a festa dos transatlânticos e os barcos da Colônia de Pesca do Posto 6, na minha vitrola do quarto-estúdio onde ficava o piano, (e onde eu faria um “caminhão de hits” duradouros, eternos… ), não parava de tocar o The Cure : “Go, Go, Go”…””Go,Go, Go”…

( 7 de Agosto de 2014 )

Presente

Presente…

O melhor presente, pra mim,e não só de aniversário (pois fazemos aniversário todos os dias) é encontrar uma pessoa tão procurada, como eu encontrei Márcia. Compartilhando e descobrindo sempre a vida, na simplicidade que abrilhanta e faz reluzir o dia a dia. Podermos ser eternamente jovens no amor, com a paixão serena que nos reconstrói e nos restaura, paixão harmoniosamente isenta do conflito interior, que hoje sei avaliar fruto da ilusão supérflua. Viver a verdade, que Márcia me ensina todos os dias, que me deu segurança e só me dá muita alegria. Esse é o melhor presente que eu poderia querer, como sempre me dizia o pai dela :
Márcia é uma jóia. Com certeza, ele tinha toda razão !

(28 Julho de 2014 )

Mundo de desperdício

Falei que este é um mundo de desperdício. É fato inquestionável.
O retrato disso é a realidade biológica, probabilística…
Para cada um de nós existirmos, se fosse o universo menos “hostil” do que é, um espermatozoide bastaria.
Mas não é assim, para a mãe-natureza. Ela quer o seu objetivo, custe o que custar, doa a quem doer…
299.999 seres humanos ( e isso por baixo, bem no mínimo de espermograma, heim ? ) em potencial, mortos, já no ato da criação de um : é assim que funciona, também com cachorro, gato, tartaruga, mosquito, cobra, baleia, gafanhoto, etc..
E quem sou eu para criticar ?

(17 de Julho de 2014 )

Onde Estava Você

Quero agradecer a todas as manifestações de carinho e as curtidas por efeito do Clip de Onde Estava Voce…Fizemos um humilde retrato descompromissado da “cena de rua” de São Paulo, cena que se multiplica em muitas cidades brasileiras, de uma juventude perdida, que procura na atividade lúdica um sentido para a vida nas grandes cidades, numa época perversa de falta de oportunidades reais, de desencantamento e de angústia. É uma juventude bela e idealista, mas descrente e crítica com uma sociedade falsamente inclusiva. A juventude brasileira assiste a uma crise de valores que é mundial, mas em muitos aspectos é específica da Terra Brasilis. No caso da cena de rua de SP, é um fenômeno que vem na esteira de um profundo processo de mudança das relações de uso do espaço urbano. De uma capital industrial, ( que nem é mais , com a descentralização, a migração para outras áreas por incentivos fiscais e operacionais ) São Paulo vem se transformando em uma capital de uso lúdico , como também ocorreu com Londres, Paris e Nova York. É uma indústria também, que fabrica dinheiro com o “hype” cultural e a movimentação feérica nas ruas. São Paulo reproduz um “clima de Woodstock” a cada semana, explodindo nas ruas uma multidão de rastas, punks, rappers, hypsters, gblts, moicanos, descoletes e playboys, estudantes, bancários, operários, motoboys, desocupados, desempregados sem perspectiva ( a maioria ), e muitos etceteras e tais… O retrato desse Clip é de desesperança, mas de paradoxal esperança. Lançamos, de propósito, nas vésperas da Virada Cultural de SP, como uma homenagem. Uma homenagem a essa juventude, a essa multidão de performáticos, que tem tantos recursos incríveis da era digital, mas que se sente dispersa com tanta informação e possibilidades impossíveis…e que procura nas ruas algo que aconteça de transformação da sociedade, e que valha a pena viver para se viver. É uma juventude que não tem as barricadas de Paris de 68, que não tem Bossa Nova, nem Tropicália nem Jovem Guarda, que não tem Godard, Antonioni, Visconti nem Pasolini, que não tem Mutantes, nem Jean Genet, que não tem Hendrix incendiando o palco e a propria vida, que não tem Janis se imolando no proprio Blues, que não tem Morrison caindo em tropego desencanto no palco, que não tem Sargent Peppers, nem Banquete dos Mendigos, que não tem Iacanga nem Arembepe, que não tem Baby, Pepeu, Moraes, Galvão, Boca, que não tem Sergio Sampaio botando seu Bloco na Rua, que não tem Tony Tornado na BR3, que não tem Walter Franco nem Mautner, nem Macalé nem Melodia, que não tem o Pasquim, que não tem Bonjour Tristesse, nem Alegria, Alegria, que não tem Aldous Huxley, nem Helio Oiticica nem Glauber, nem Plinio Marcos, Andy Warhol nem Basquiat, que não tem Easy Rider, que não tem Sex Pistols nem Clash, que não tem Jack Kerouac nem Julio Barroso, nem Cazuza, nem Renato Russo, que não tem um monte de coisa…

MAS TEM TUDO ISSO GUARDADO NO PEITO, TRAZ TUDO ISSO MUITO VÍVIDO E PRESENTE NO BRILHO DOS OLHOS, e se vai pra rua ´é pra se reconhecer no olhar dos demais, na angustia dos demais, na feérica busca dos demais.

Por mais que a minha geração tenha vivido um tempo incrível de transformações claras e perceptiveis na sociedade, e ter muitas memórias , e ser feliz por isso, a gente olha essa cena atual e se pergunta : O que é isso ? O que quer realmente dizer ? E o que VAI dizer para o futuro ? E o que vai ficar ? Pra onde vai caminhar ?
Um tempo extremamente paradoxal, de grandes milagres, maravilhas e desafios, de perversões e um profundo desencanto, enfim, de uma inacreditável confusão….

Por tudo isso, minha homenagem :

Onde Estava Você ????????????

( Maio de 2014 )

Daniel

Estão me cutucando com críticas e provocações na internet porque agora tenho a honra de aparecer tocando e me emocionando no clip de Daniel. Devo dizer que ali está registrada uma emoção de verdade, com o arranjo orquestral tão bonito, com o encontro tão digno, com a interpretação intensa e sincera, e ainda com muitos significados adicionais. Daniel me contou que quando era adolescente foi a vários shows meus, de ônibus, e eu pude num segundo ter a dimensão do que é representar algo de verdade na história de uma pessoa, como êle, que faria história também. Uma história admirável de luta, com muitos momentos difíceis, de integridade e persistência nas provações. E a música entra na sua vida com esse significado de superação…Naqueles momentos no estúdio, me passou um flashback. Pude ver que o tempo passou, mas que tudo valeu a pena. Me fez me olhar em perspectiva, como se estivessemos sempre começando as nossas carreiras, quem diria…que tanta coisa estava por acontecer, essa benção de tantas décadas, de marcar vidas…Dinheiro ? Sucesso ? Glórias ? Tudo é irrelevante, perto de marcar vidas.
Acho que marcamos um golaço nessa parceria ! Parabéns, meu novo e querido amigo !

(23 de Abril de 2014 )

 

a Fé

 

Em primeiro lugar, estou fora de polêmicas, não pretendo afirmar aqui, em nenhum momento, que desdenho de qualquer tipo de crença. Vou fazer, sim, uma reflexão sobre as minhas próprias pequenezas e ignorâncias. Falo só sob a ótica da minha limitada visão. Ou sobre a minha ausência de visão. Ninguém pode proferir um julgamento sobre as visões, ou ausências de visão dos outros. Cada um tem seu próprio Universo.
Quando indagado sobre temas espirituais, hoje afirmo, convicto, que “nada sei”, e portanto, também não duvido de nada. Intuo que a iluminação seja simples, e que esteja no esvaziamento da mente. Me percebo fortemente inclinado à “filosofia do anti-conhecimento místico”, como se fosse uma opção pela fé máxima, tão grande que nem coubesse em mim, pura aceitação do mistério total, profunda renúncia às maiores pretensões humanas do “saber”, fundamentos inerentes ao “acreditar na perfeição”. Nesse campo, a meta seria estarmos tão preenchidos que não existisse mais nada, senão o vazio, o vácuo do pensamento. Teólogos e cientistas sempre concordaram e se esmeraram na discussão de que a fé difere da ciência, de forma inconciliável, justamente porque a fé depende de uma aceitação prévia de algum grau de iniciação, alguma adesão a um “conhecimento tácito”, enquanto a ciência duvida por princípio e precisa de todo um arcabouço de razoabilidade para estabelecer qualquer idéia como “lei”. E mesmo estabelecida a “lei científica”, ela vigorará apenas e tão somente até qualquer prova em contrário, e esses desmoronamentos ocorreram, implacáveis, durante toda a história do conhecimento. A ciência é, por definição, sempre provisória. A fé se propõe a ser definitiva. Uma, aposta no erro até acertar, enquanto a outra aposta apenas no acerto sem chances de errar. São algoritmos diferentes na cibernética do pensamento. A ciência crê que é falível, a fé parte da premissa da infalibilidade. Porém, acreditar é uma coisa só. É assumir uma idéia, é endossar um sistema de pensamentos que nos parece razoável, que nos foi provado por a + b ( no caso da ciência ) ou que nos foi legado por tradição, por alguma questionável “comunicação ancestral”. Tanto a fé quanto a ciência têm suas formas (diversas) de acreditar. A fé duvidosa quer, e muito, abarcar a ciência, e tentar conciliar o conhecimento com a divindade. Já a ciência abre mão de abarcar a fé, e alega não precisar da divindade, porque só acredita em erros e acertos. A divindade apresenta um sério problema no Universo tão vasto e insondável quanto movediço e imperfeito : a divindade não teria erros. Pretensão tão miseravelmente humana. Por definição, a divindade é um conceito infinitamente inalcançável e absoluto. Perfeita e desprovida de tensões, de pendências, é atemporal, para alguns de nós é imutável e não tem mais em que se aperfeiçoar, enquanto para outros é dinâmica e está em constante aperfeiçoamento. Contradições em curto-circuito perpétuo. A divindade é onipresente, insondável e incompreensível em sua grandeza e poder. Quanto mais se tente chegar a uma “compreensão”, a uma plenitude de conhecimento, maiores serão os mistérios da divindade, e isto ocorre por definição intrínseca, necessária e suficiente para que a divindade fosse o Ser Regente do Universo. Qualquer divindade é assim, dêem a Ela o nome que quiserem.
Então olho, com todo respeito que me foi ensinado, e até me deslumbro, sem esquecer que muitas vezes fui “tocado” em “visões” (e às quais não dou margem de contestação, são só minhas), perante um templo, uma Catedral em Londres, em Nova Iorque, um mosteiro do Oriente, uma sinagoga, uma mesquita do Levante, que fosse uma pequena capelinha de interior ou uma imensa basílica histórica, uma pirâmide, como um primata hominídeo perante um monolito no filme de Stanley Kubrick, e não consigo não me perguntar, milhares de vezes :
O que é aquilo ? O que, de verdade, está ali ? Aquilo é a casa de Quem ? O que as pessoas que o construíram, e as pessoas que vão ali, materializam naquele lugar ? Aquilo é um monumento dedicado a quê, ou a Quem ? São monumentos ao Desconhecido ? Representações da pequeneza humana ? Ou seriam monumentos à divina pretensão da “Grandeza Humana”? Sei que vão me espinafrar, e com “toda a razão”, mas a “razão” é tudo que NÃO está nesses lugares. Ali estaria algo que chamamos de fé. E quem é que jamais teve, no fundo de sua “alma”, questionamentos e perguntas como estas ? Qualquer divindade não gostaria muito mais de quem fizesse essas perguntas ?

(10 de Janeiro de 2014 )

Balanço no Natal de 2014

Cobranças e respostas de final de ano…
Em 2014 vou procurar os meios para prosseguir a minha independência no mundo.
Vou esperar menos respostas de um mundo que já não existe mais.
Vou ter paciência com os fãs que cobram mais resultados, que me acusam de estar ausente da “grande mídia”, que dizem “ter saudades” de mim, que eu deveria isso, que eu deveria aquilo, que eu poderia fazer “x”, que eu poderia conseguir “y”… Em 2013 simplesmente tivemos o que conseguimos, se não fizemos mais é porque o mundo respondeu uma porção de “nãos” pra gente.
Em 2014, “vou acreditar” nos incentivos e elogios dos apresentadores da grande mídia, que dizem que são amigos, falam que são muito fãs da gente, abertamente, e até no ar, mas não dispõe de espaço pra gente ir lá cantar. Esses mitos, principalmente televisivos, são prisioneiros de uma busca desesperada pela audiência, e não podem descolar o olho do audienciometro. Tenho pena deles, na mesma medida que eles não têm a menor condescendência com a gente, e mantêm as portas para o público hermeticamente fechadas. Em 2014 eu prometo continuar indo adiante, não desanimando. Todos sabem os programas de TV que disseram um “não” rotundo para mim, este ano, uma verdadeira vergonha. Até mesmo depois de ganhar o melhor disco do ano no Multishow, com um produto independente na melhor acepção do termo, por um selo caseiro, totalmente familiar e humilde, de forma espetacular, meritória, mas surpreendente. Sou citado sempre como “referência”, como “sucesso”, como “grande Guilherme Arantes!” … Calouros me escolhem para seu caminho ao sucesso, jurados rasgam o verbo, todo mundo “paga pau”, me sinto uma unanimidade, mas é só um passado glorioso. No presente, o que encontramos são ( algumas ) portas fechadas, e acabou. Nem preciso citar nomes aqui. Preciso, sim, dizer que estou pouco me lixando para a mera lembrança desses nomes. Porque isso ocorre só numa parte miserável da “grande mídia”. Agradeço, e muito, os canais, as pessoas e apresentadores que se abriram, que deram espaço, sempre generoso… Esse espaço foi precioso pra mostrar que não estou morto, e que, mais do que nunca, temos o que dizer. Não nos espaços miseráveis, onde não podemos opinar sobre coisa alguma, mas só cantar pílulas de 2 minutos de grandes sucessos…Engraçado, não é ? Em muitos programas de “debates” com freqüência chamam “celebridades” enfeitadas, de araque, ícones da fama que não têm nada a dizer …Quando eu era mais moço, mais tímido, ainda bem que nem existia nenhum espaço pra falar…Era entrar, caitituar a música de trabalho e ir embora. Ainda bem, porque eu ficava muito nervoso na TV…Hoje, tudo são os “talk shows”…E deu pra nos sairmos muito bem, em 2013. O que pudemos fazer, foi dez !!! Quem viu, viu… Com a idade, há um declínio visual, mas há um crescimento na articulação, na sabedoria, na cara-de-pau pra falarmos e principalmente pra pensarmos em publico…Por isso mesmo, hoje, nos shows, a constatação crescente é de que nunca estive tão bem, com a voz inteira e incrível, todos os dias alcançando notas dignas de Jon Anderson do Yes… as histórias de canções e de vida fazendo de cada show uma celebração que marca vidas…As musicas novas, do novo disco, encontrando um eco, uma receptividade inédita na carreira de 40 anos. Muitos colegas cantores e compositores vivem essa mesma realidade. E eles são muito talentosos, inspirados, muito numerosos, e enfrentando muitas dificuldades numa mídia perversa, uma mídia muitas vezes “do mal”… Em 2014, vamos ficar antenados no sobe-e-desce, na troca das cadeiras do mundo. O tempo e a verdade são implacáveis. Vamos estar de pé. Quantos impérios e potentados caíram nestes 40 anos de trajetória…O importante é que não temos medo. Desculpe aí se frustrei expectativas, mas o que foi possível, a gente conseguiu. O que a gente não conseguiu, é porque o mundo disse “não”.
Continuaremos com “a arte de sorrir cada vez que” isso acontece. Fecho o ano agradecendo a sorte de não ter entrado em roubadas, nem ter sido apunhalado ao vivo, como um colega recentemente, ao ter sua vida pessoal devassada de forma espúria, inaceitável…tudo em nome da “sagrada audiência”…E lembrem-se bem: prefiro não citar nomes. Aqui, ficou tudo muito bem subentendido…Feliz Natal !

( 25 de Dezembro de 2013 )

Reginaldo Rossi, um mito !

um inspirado personificador da alma popular,
um privilegiado
por ter expressado com tão legítimo sucesso
o nosso sonho dos cantores emocionais,
expressando seus dramas com o talento despudorado,desprotegido,
um guerreiro,
generoso e bonachão em seu sorriso puro,
Rei dos auditórios, das festas brasileiras
a adesão espontânea do povo, sem armações,
sem estratégias,
no corpo-a-corpo do amor pelas multidões,
sem frescuras,simples, básico, cortante.

um verdadeiro mestre !

Recife, eu amo muito essa cidade tão especial…
O Rei foi, é e sempre será uma das maiores essências dessa terra tão brasileira.

( 21 de Dezembro de 2013 )

Marinha do Brasil , valores…

No dia 13 de Dezembro é comemorado o Dia do Marinheiro, data tradicional da Marinha do Brasil, tão nobre, poética, e extremamente musical em seus valores e símbolos. Tenho um antigo e amplamente divulgado histórico de relacionamento com a Marinha, muito devido à incorporação da música Planeta Água ao projeto Amazônia Azul, que todos os brasileiros deveriam conhecer – um estudo dos biomas da plataforma continental e das imensas águas territoriais brasileiras. Há necessidade de um “plano de manejo” perante a Organização Mundial do Comercio, país que não implementar isso, corre perigo de perder soberania “em prol da homanidade” ( sic…) Os brasileiros nem sabem disso. A disputa internacional pelas riquezas incalculáveis desse gigantesco universo, ainda tão longe de ser plenamente conhecido, é uma luta em que todos deveriam se alistar, ou ao menos se conscientizar. As águas internacionais são motivo de uma cobiça sem limites, tanto na pesca predatória quanto em várias outras práticas criminosas, na impunidade da mais vil pirataria.
É a Marinha do Brasil que cumpre a árdua missão de garantir a nossa soberania, e a proteção militar da biodiversidade. Briga de cachorro grande. Nações historicamente agressivas querem reduzir a área sob jurisdição brasileira, e o Brasil conta com uma Costa marítima monumental, uma das maiores do planeta. A área em questão é maior do que a da Amazônia, símbolo supremo da preservação natural…daí o título de Amazônia Azul. A sua riqueza biológica, mineral, é algo inimaginável.
Uma emoção muito pessoal a respeito…
Vou contar um episódio importante na minha vida, relacionado à Marinha : Em 2012 fui convidado a participar das comemorações centenárias dos Fuzileiros Navais, com a Orquestra Sinfônica da nobre corporação, no Theatro Municipal do Rio. Foi uma noite de gala, inesquecível. Quem tiver curiosidade, publico um link de youtube no final deste texto…
Pois bem…A apresentação, em arranjos inspirados e execução impecável, foi de uma beleza única…E, para coroar a noite, quando adentrou no Teatro o conjunto completo de gaitas escocesas ( uma tradição belíssima dos fuzileiros ) o meu arrepio e as lágrimas compulsivas foram difíceis de conter. Me lembrei imediatamente do papai, fã ardoroso da Marinha, dos Fuzileiros, e especialmente das gaitas escocesas…E pensei no orgulho que ele deveria estar sentindo do filho, que, de um simples cantor de auditório, havia se transformado em compositor de prestígio na MPB, e daí, pelas voltas que o mundo dá, veio a ser incorporado por instituições tão nobres, devido ao conteúdo de suas músicas…Aquela cena, aquele som contagiante das gaitas penetrou em territórios desconhecidos da minha alma. É em momentos desse naipe que descobrimos a importância de valores como o orgulho dos antepassados, orgulho de termos uma Pátria. Essa emoção está sempre pronta a aflorar, se manifestar, eclodir em atitudes concretas da nossa relação com o Brasil. Ela precisa ser plantada, lá na terra inocente da infância, para um dia florescer e frutificar, como aconteceu comigo, e com tantos compatriotas da minha geração e das gerações de nossos pais, de nossos avós. Por mais que tenhamos que avançar céleres nas transformações sociais, na inclusão dos excluídos, na evolução das instituições rumo às tão almejadas igualdade, fraternidade e justiça, no desmantelamento dos privilégios e perversidades, não será jamais extirpando os símbolos fundadores da República que lograremos o êxito do Brasil se transformar no País idealizado por todos. Quando dizemos “país idealizado por todos”, temos que lembrar dos nossos antepassados que lutaram para permitir que chegássemos até aqui. Gente que lutou e morreu nas Guerras. Gente que suou a camisa, como meu pai, para ser um médico e trabalhar como um leão pelo bem dos pacientes, dando plantão , com orgulho, num hospital público, operando esfaqueados no Carnaval, salvando a vida de pessoas pobres, muitas vezes até de bandidos. Uma vez, vi meu pai chorar em casa, calado, sem conseguir nem tomar uma sopa na mesa do jantar, solitário, tarde da noite, exausto e desesperado por não ter conseguido salvar uma vida numa mesa de cirurgia, tendo feito massagem cardíaca de emergência, tendo lutado com uma vida humana nas mãos. Penso quantas vidas ele conseguiu salvar, sendo o cirurgião que era. Esse espírito iluminado que me guiou, com certeza estava ali chorando comigo, ao ouvir as gaitas escocesas dos Fuzileiros Navais. Então é essa lembrança de honradez e amor ao semelhante, ao coletivo, ao ideal, que precisa estar presente em todos os dias de luta, de guerra e de paz.
No Dia do Marinheiro, minha homenagem à gloriosa Marinha do Brasil.

( 08 de dezembro de 2013 )

Anos 70

Vôo Salvador/ São Paulo. 2013, um “sol de quase Dezembro”.
Agora é 1970. Ano da Copa do México, o Banespa…E quase que o Brasil não passa da Inglaterra, não fosse a cabeça milagrosa do negão…90 milhões em ação, pra frente Brasil, do meu coração…Colégio Bandeirantes, dificílimo, a turma era de craques que prestariam ( e a maioria iria passar ) para Medicina na USP, e eu boiava total, vinha de um histórico lamentável no Colegial do Roosevelt …Lembro que foi no Catedral ( ou no Jabér – no Paraíso) onde a gente ia comer esfiha de lanche…que soube da morte do Jimi Hendrix…O Cursinho no meio do ano foi o “Med”, na Augusta ( hoje “baixo augusta” ) e era mais um pretexto pra eu sair pelas noites, andarilho pela cidade, sempre solitário com meus caderninhos. Em casa, eu, angustiado, procurava não ficar , minha realidade era nas ruas. E em Sidarta, Demian, O Lobo da Estepe. O Processo e Metamorfose, Hesse, Kafka., Sartre, Maiakovski, Marcel Proust -Em Busca do Tempo Perdido , o Caminho de Guermantes. Os Beatles e Abbey Road – Here Comes the Sun…It´s all right…Até hoje, o arrepio da perfeição. A noite absurda da Ditadura, os anos sombrios…a odiosa pipoquinha soletrando a letra na TV: “ Esse é um Brasil que vai pra frente… ,hou,hou,hou,hou,hou… “ Não passei no primeiro Vestibular, eu ainda estava preso na segunda época, precisando de 7,5 de Química, 8,5 de Física e..pasmem..9,5 de Matemática ( média anual de 0,5 ) como o legendário Prof. Cattoni…esse era pedreira…mas era um coroa absolutamente genial, fã ardoroso de “Jeannie é um Gênio”…passei em exame oral, Calculo, nem acredito, ele me deu 9,7, dizendo que 10 ele nem daria para Leibnitz… e me livrei da tragédia com o papai, estudando naquele verão escaldante de 70 para 71 como nunca havia estudado antes..E então eu iria para o Anglo, prestar “pra valer” para a FAU, a velha FAU que me atraía por causa da história de Chico Buarque… Cursinho…Eu ainda lutava contra as espinhas no rosto –um flagelo terrível – por um tempo meu apelido foi “abacaxi”- vivia tomando sol, eternamente bronzeado, o Stavale ( física ) me pôs o apelido de Chocolate…E quase que o apelido grudava, como grudou o “Maisena” no Luiz , o melhor desenhista que conheci, um gênio… Moedor de carne, fábrica de salsicha, o vestibular se transformou numa obsessão, me vi um devorador de apostilas, competição desvairada…Foi o ano de Toquinho e Vinícius…”Um velho calção de banho…o dia pra vadiar…” aquele disco genial, como marcou, Vinícius em plena forma, cantando a Bahia, feliz…e ainda faz parte total de mim….Na verdade, eu não iria para a adorável FAU da Rua Maranhão, mas sim para a na FAU de Villanova Artigas, a FAU nova de concreto, com suas inúteis mapotecas…em meio aos jardins totalitários do “campus”. Na prova de Linguagem ( a famigerada “segunda fase” ), o tema “A Praça e o meio urbano”…vinha a calhar…e eu arrasaria com um poema sobre o mendigo na praça…uma letra cavalar de música pronta, que eu tinha feito nas caminhadas solitárias da noite…”Sua sombra projetada na calçada…” Mais uma vez, a música me salvaria…A música e a poesia sempre foram tudo pra mim, o meu motivo de existir. Amigos novos, o Bicalho, o Ruy, a Marcia Vital, e tantos outros que ainda quero igualmente tão bem, para sempre..Que idade linda, quanto orgulho de nossa turma….Um tempo de desafio e beleza. As aulas revolucionárias do Flavio Império. As de História da Arte, então, eram o paraíso, Chagall, Mondrian, Lèger, Picasso, os impressionistas, o surrealismo… No inverno de 72, o Festival de Ouro Preto, era a cabeça de um jovem que voava… Por conta de uma namorada do Festival, fui conhecer o interior de Minas, Piacatuba de Leopoldina…Eu viajava de ônibus na madrugada, Viação Transcolin, passando pela fantasmagórica Siderúrgica de Volta Redonda por volta das 2 da manhã, levava 7 ou 8 horas até Leopoldina, e depois ainda tinha o “cata-jeca” até Piacatuba…Um povoado simples, tudo novo pra mim, com uma igreja, uma escola, o mata-mata (bilhar) e o céu estrelado do interior do Brasil…Olhos fechados, agora viajo fundo num tempo remoto de ócio e serenidade…Agora, que estou cansado do presente, nervoso coma compressão de um tempo desvairado, árido, escasso de flores emotivas exceto dentro do nosso santuário particular…Esqueço agora do mundo embrutecido pelas ocupações supérfluas que hoje fazem o cotidiano compulsório da modernidade… Lá fora, a velocidade inútil e ruidosa de um mundo conectado que perdeu noção da pureza . Lá dentro do santuário da memória inexpugnável, viva, o passado inocente , pra onde fujo a escutar as mangueiras repletas de cigarras chiando, no alto verão, na tarde tórrida e preguiçosa do vilarejo… Ligações telefônicas com telefonista (o próprio “ oh, telefonista” de Feira Moderna, do Beto Guedes…) Por isso me tornei um primo bastardo do Clube da Esquina… Jogo de futebol da peãozada, os beques de fazenda, um deles – um tal de “Aú” ( devia chamar Artur, mas, fanho e desdentado, era mesmo o “Aú”…partia pra bola bufando: Aú…Aú…Aú…era um perigo, ranca-toco total…E a torcida apupava : Aú…Aú…Eu era o maior perna-de –pau, corria com a bola pela ponta-direita, ninguém me parava…quando conseguia cruzar, era sempre gol…Mas na maioria das vezes, saia com bola e tudo , daí o meu apelido naquele “baba” : Vaca Louca. Pipocâo, com medo de fraturas num “campo” (pasto) repleto de cupinzeiros de barro duríssimo… Verão de um Brasil rural e familiar, que não encontro mais por mais que procure na saudade ( hoje é só agronegócio, só cheiro de cana e laranja podre, hoje é a peãozada cortando cana atolada no crack ) e ficam num passado sagrado as jabuticabeiras, os caules revestidos de bolinhas pretas e doces como brigadeiros sem culpa …(naquele tempo, encarapitado lá no alto, devorei três “pés sozinho, isso mesmo, mais de 10 quilos de jabuticabas enormes com caroço e tudo –deslumbrado sem a menor noção – fiquei bem umas 3 semanas sem cagar, fui parar até no hospital pra desentupir , tirei chapa do intestino, parecia um concreto com brita, quase morro) . Mas estou aqui, bem mais de 40 anos depois. Quantos perigos, quantas quedas de árvore, quanto carreirão de boi, de bode, de touro, de vaca brava, de cachorro bravo, pulando cerca ,emaranhando no arame farpado, picada de aranha caranguejeira , ataques de abelha, de marimbondo, formigas lava-pé, carrapato, micuim no saco, berne na cabeça, chá de lírio, de cogumelo, porres de conhaque, de campari e licor… E quanto tombo no amor…e como a vida é mais forte! Estou em mais um vôo. Agora estou lá. Ao longe, o mugido confortável no pasto, as galinhas ciscando no terreiro…Café em côco, secando ao sol. Garrafões de cachaça no chão da tapera, tampados com sabugos de milho. Fogão de lenha, o ploc- ploc das panelas de ferro de arroz e feijão na banha, do doce de abóbora no tacho….a tarde caindo laranja e violeta, o banho de ribeirão…Naquele verão reinavam absolutos Gil no 2222,” O sonho acabou…ihh”…”A ema gemeu no tronco do Juremá”…”Se oriente, rapaz…” e muito, mas muito Milton e Lô, lá no Clube da Esquina, “com sol e chuva você sonhava…”,”se você quiser eu danço com você no pó da estrada “ “o que vocês diriam dessa coisa que não dá mais pé”…”alguém que vi de passagem…numa cidade estrangeira…lembrou os sonhos que eu tinha e esqueci sobre a mesa …como uma pêra se esquece…dormindo numa fruteira…” , “ “coisas que o vento vem às vezes me lembrar”.. “para quem quer se soltar..um vento cais, um vento mais que a solidão me dá…invento lua nova a clarear…invento em mim o sonhador…“ pensar que fui um dos privilegiados expectadores de um show histórico do Milton, com Toninho Horta, Novelli, Luiz Alves, Wagner Tiso, Robertinho Silva, meio vazio, por sinal, no velho Teatro da GV, e eu chorei tanto…era exatamente aquilo que eu queria ser…buscar…custasse o que custasse…Ainda ouço lá ( e sempre vou ouvir ) muito Pink Floyd do Atom Hearth Mother, o disco “da vaca…”…”Would you like to say something before you leave …Perhaps you’d care to state exactly how you feel …We said good-bye before we said hello… And I would like to know …How do you feel, how do you feel, how do you feel? Pá..pá pá…” … e pensar que isso ecoava na abertura do Jornal Nacional… neste vôo estou ouvindo bons tempos em que o “mainstream” flertava com a vanguarda…e ainda está lá a profundidade do Egberto Gismonti, do “Água e Vinho”. Essas coisas aí sou eu ! São eles, mas também e completamente sou eu…Me desculpem se agora não estou no tempo de agora. Com licença, mas preciso urgentemente voltar para lá. E esse é o vôo de hoje.

( 4 de Dezembro de 2013 )