SOS Mata Atlantica – a luta pelo Tietê

Amanhã, logo mais, domingo, vamos tocar num lugar muito especial. Em prol de uma causa nobre, necessária e infalível : a recuperação do Rio Tietê. Ela ocorrerá, por ser óbvia. E vamos estar celebrando essa consciência – não de um sonho, mas de uma realidade. Muitos não percebem, mas São Paulo vem mudando de perfil, passando de uma potência industrial primária, poluente, poluída, feia, para uma capital de serviços e de excepcional atratividade comercial, turística, cultural, vivencial. Uma metrópole é um grande negócio vivo. Percebamos o que aconteceu com Londres, metrópole que eu, particularmente, tanto amo e pude conhecer profundamente…sentí mesmo a alma daquele lugar… De uns anos pra cá, a capital britânica de transformou numa jóia turística, equipada com atrativos únicos…Parte desse sucesso começou com a transformação do Tâmisa, berço da cidade, meca da Revolução Industrial. A população de antigamente não amava o Tâmisa, era um símbolo de um processo precário, primário. O mesmo ocorreu com Paris, onde hoje o Sena, ex-esgoto a céu aberto, se constitui numa verdadeira praia, com afluência popular, orgulho, carinho e prazer de todos. Falemos de SP : é uma cidade-paradoxo. Apesar das dificuldades do povo, do sofrimento no transito, da desumanidade da metrópole, ninguém vai embora… Só chega mais gente. De todas partes do País e do mundo: cidade de diferenças sociais monumentais, de perversidade social inacreditável…Mas uma paixão de todos. A fama atual e mundial de São Paulo é de um comércio que tem tudo. O mundo comenta São Paulo, seus eventos, seus distritos de consumo, prazer, cultura, noite, gastronomia, badalação. E cada vez mais e mais essa movimentação é motivadora de lucros. A hotelaria paulistana é gigantesca, vive lotada, e a velha terra da garoa é hoje uma metrópole de serviços e de convivência urbana, em substituição progressiva da velha potencia industrial… Por vários motivos – incentivos fiscais, oferta de matérias primas e de mão de obra, de viabilidade econômica, a industrialização do Brasil segue um processo de descentralização, interiorização, se espalhando por distritos no Norte, Nordeste, Centro e Sul … Sabemos que a Ponte das Bandeiras simboliza a importância do Rio Tietê para o surgimento da grande São Paulo, ponta-de-lança da grandeza territorial da terra-brasilis. Das margens desse rio partiram as expedições, tão celebradas nos sangrentos livros de História – para mim, e para muita gente que leu a respeito – e que pense como eu – um movimento épico, grandioso, mas completamente predatório, extrativista, saqueador, escravagista…Movimento necessário somente na medida em que o Brasil foi constituído assim mesmo, aos trancos e barrancos. Ninguém é pueril…Hoje não estaremos celebrando esse lugar como um marco de uma História atabalhoada, onde ainda há tanto por fazer… Mas estaremos celebrando o berço da cidade, motivo dela existir. E para esse leito a velha Piratininga voltará. Haverá um dia em que esse modelo ultrapassado do individualismo automobilístico estará ficando para trás. Um dia como este, em que os carros ficaram em casa. Dia em que os ricos andarão de transporte coletivo. Dia em que os pobres em ascensão social não precisem nunca mais se endividar, inadimplentes, pra comprar carros de 4 lugares com um trouxa, motorista ludibriado na direção, parado na traquitana imóvel das ruas que só gera prejuízo, impotente ao pressentir seu tempo perdido fluir como esse rio de esgoto, só para dar sustentação a projetos políticos e milagres econômicos de ilusória prosperidade. Dia em que a convivência da cidade superar a brutalidade boçal do “cada um pra si”, que sempre contaminou a “Pólis”, o processo histórico (que enquanto patinou assim, não avançou, e só evoluiu quando houve um pacto, por colapso e necessidade de sobrevivência) . Hoje é dia de celebrar que, lá no final, lá na frente, num outro tempo que urge, mais cedo do que se pensa, depois que tudo que for errado tiver não dado certo, que todas as enganações e modelos alienígenas tiverem dado em nada, em que os frágeis ciclos econômicos, equivocados, tiverem exaurido sua riqueza instável, mesquinha, pequena, lá no futuro urgente, restará o Ser Humano, as pessoas, e elas estarão novamente num pacto de amor e parceria com esse rio. E o Tietê correrá até lá, pois a sua água foi e será indiferente. Os problemas e absurdos são só nossos. Ela, fluida e misteriosa, não está nem aí . Como sempre, vai levando e lavando tudo, eternamente. Pneus, carcaças de carros, sofás, garrafas pet, metais pesados, milhões de toneladas de fezes in natura, lixo, nossos fracassos, e o que mais somos capazes de produzir para assorear nossos destinos. A agua vai correr, correr, como o tempo da nossa ilusão. Lá no fim, a nossa celebração de hoje se justificará : as margens estarão reflorestadas, e a velha-jovem Piratininga se banhará nas águas piscosas, originais, como se nada jamais as houvesse perturbado. É por isso que hoje estaremos naquelas margens, por puro e absoluto prazer. Nada mais. Que o politicamente correto fique de lado, com sua chatice careta. Que as crianças, pequenas e grandes, serão arrebatadas pelo lúdico, que é o prazer da humanidade. Porque numa sociedade hedonista, o prazer estará em primeiro lugar, e o futuro de uma capital milionária do prazer exigirá o Tietê vivo, porque ele, vivo, estará dando muito mais lucro do que morto. ( 22 Setembro de 2013 )