California Dreamin´- a preparação

A pessoas olham pra uma carreira de 40 anos e pensam : ”imagine quanto sapo um artista tem que engolir pra fazer sucesso…” , mas isso nem sempre é verdade. De minha experiência, posso dizer que há casos especiais – eu sou um representante destes… Desde os primeiros discos, todos os produtores sempre me foram respeitosos, talvez eu tivesse um componente de erudição, misturado com mito de infalibilidade, complexo de “midas”, auto- confiança e impetuosidades, numa combinação intimidatória…O fato é que, mesmo dando um trabalhão danado pra convencer os diretores de “A&R”, sempre gravei o que eu quis, como quis, com quem quis. Tinha que ter flexibilidade, também, pra sobreviver num meio tão complicado…
Em 1984, eu andava meio perdido no meu caminho na Som Livre, tinha feito um compacto, com Fio da Navalha ( tema de Raul Cortez na novela Partido Alto ), com arranjo de Serginho Trombone e formação de músicos da Banda Black Rio…uma experiência bizarra , idéia minha mesmo – e que foi plenamente viabilizada por Guto Graça Mello…Também havia produzido , a convite de Guto, um LP inteiro para o especial Prilimpimpim 2, em parceria com o poetaço Paulo Leminski , onde eu cantava “Xixi nas Estrelas”…Mas a gente não estava emplacando sucesso com a mesma usual facilidade… Resolví então, no 2º. semestre daquele 84, procurar Marcos Maynard, diretor artístico da grande CBS, onde todo mundo estava “estourado nas paradas” – Ritchie , Fabio Jr, Djavan, Metrô, Radio Taxi, Simone, sem falar no Rei, Roberto Carlos… Bem, era uma espécie de “Barcelona” dentre as gravadoras da época….Me lembro bem que nesse ínterim, fui fazer um show em Maceió , e recebi no camarim a visita do querido Djavan, que honra…aquele gênio maravilhoso me prestigiar…Naquela noite ele me deu um toque, que o pessoal da CBS estava mesmo de olho em mim, e me aconselhou que eu deveria pensar seriamente pois eu iria me dar muito bem lá….
Contato feito, Maynard me apresentou um grande tecladista, o Lauro Salazar, muito moderno e sofisticado, que vinha de boas produções e sucesso estrondoso com Ritchie, Dalto, etc…e no verão de 1985 batemos essa bola juntos, na pré-produção, gerando uma sonoridade nova pra mim…Foi a primeira vez que Leo Gandelman gravou comigo, participando de várias faixas, ( Cheia de Charme, Estrela Sensual ), abrilhantando meu som com seu sax quente, magistral, em solos inacreditáveis. Também pude contar com a participação de Sergio Dias Baptista na guitarra de “Olhos Vermelhos”, um solo histórico… Bem, esse disco estourou logo de cara, e a máquina da CBS se mostrou um motor de muito mais cilindradas do que tudo que eu já havia pilotado…Loucura, loucura…Aproveitei o momento oportuno daquela contratação pra mudar com a família e tudo para o Rio, pra Rua Francisco Otaviano, no Posto 6 – divisa com o Arpoador , aluguei um apartamento excelente, no limite das minhas possibilidades num prédio coladinho no Forte de Copacabana, um lugar cinematográfico…300 graus de oceano nas janelas e varandas, um espetáculo… Pois saibam que quem me ajudou, prontamente, sem pestanejar, como “fiador” foi o queridíssimo Raimundo Fagner…pois eu não tinha parentes no Rio e pedir para amigos ou conhecidos seria constrangedor. Sou muito grato a esse colega generoso…. Meses antes, ainda morávamos em SP quando faleceu nosso grande amigo Julio Barroso, e resolvi mudar de ares, conquistar o Rio era imperioso naquele momento…Pra mim, era um “tudo ou nada”.. Embora eu não tenha nada a ver diretamente com isso, aquele foi ano do primeiro Rock in Rio, em que eclodiu de uma vez o que se chamaria o RockBR dos anos 80…Tudo o que se entende por “estrutura de show” nasceu, mesmo, naquele período. Não é preciso lembrar que dali pra frente, virei um nome nacional, pois vencí uma barreira imensa e consegui estourar no Canecão, templo da música em Botafogo, na jugular do Rio de Janeiro.
Em 1986, logo depois do sucesso desse disco “Despertar”, recebi uma visita de Claudio Condé , vice- presidente da CBS, junto com Ronnie Foster, um grande produtor americano, músico exímio ( piano, órgão, etc..) e que vinha de boas experiências anteriores com a CBS,mais especialmente com Djavan no monumental LP “Luz”… Ronnie já tinha na bagagem trabalhos com Lionel Ritchie, George Benson, e era figura super carimbada entre os “session players” da cena mais nobre de Los Angeles…Ali começaria mais uma fase radicalmente nova na minha história. De tanto eu ouvir a chamada “new bossa” inglesa , coqueluche na época, fiquei profundamente impregnado pelos trabalhos de Sade Adu, Matt Bianco, Everything but the Girl, Aztec Camera, Spandau Ballet, etc… e , numa tarde chuvosa de domingo, acabou saindo sem querer uma melodia bem carioca, com clara influência de Tom, Marcos Valle, Johnny Alf, Donato, e os meus ídolos primordiais da bossa nova…Meu velho parceiro Nelson Motta era meu vizinho, e bastou atravessar a Francisco Otaviano pra eu levar a melodia numa fita cassette. Dias depois, nasceria “Coisas do Brasil”, um dos maiores golaços de que participei na vida… Fizemos ainda “Calor”, a musica-título do que seria meu novo LP para 86, o primeiro totalmente aclimatado no Rio… Ronnie chamaria para o estúdio Transamérica o famoso baterista Harvey Mason, e incorporaria integralmente a minha banda de shows daquela temporada, Leo Gandelman, Luis Carlini, Paulo Soveral, Marinho, e ainda arranjos jobinianos do velho companheiro de Planeta Água, o maestro Eduardo Souto Netto. O sucesso fantástico desse disco me levaria, no ano seguinte, a Los Angeles, para gravar e fazer amizade com os maiores músicos do mundo, a próxima parada nessa história, que concluirei a seguir…
Ah, como era bom o nosso mercado em vinil !

( 28 de Setembro de 2013 )