Pra Mim…Basta um Dia…

Um dia eu achei que eu nao viveria sem a minha pureza da infancia, sem a casa lá em Santo Amaro, sem o meu carrinho de rolimã, sem meus óculos escuros da Otica Lupo de Araraquara ( que a vovó Iracema me deu).
Sem a minha luneta, sem aquele galho no meu ipê roxo no jardim . Sem a minha bola “autografada” pelos craques de 62…
Um dia achei que a vida seria eterna para minhas pescarias em Mongaguá e no Guarujá e que o tempo seria infindável para a minha
mocidade….Achei que tudo se acabaria na Guerra Nuclear, e que o mundo nunca mais seria o mesmo depois daquele Festival da Record de música popular. Que eu seria eternamente contracultura e contra o Sistema.
Quando as espinhas no rosto , que na adolescência eu pensei eternas, quando elas enfim me largaram, eu me achei belo no espelho, achei que não viveria sem o esplendor da juventude.
Um dia eu me ví famoso e que o mundo sorria para minha fama… pensei que não viveria sem aquele sucesso todo na televisão …
Um dia eu me ví gratificado por uma quase unanimidade…me achei, por um instante, o máximo, e pensei que não viveria sem reconhecimento do mundo !
Um dia , e já vai longe esse dia, já ficou lá atrás, eu pensei que não viveria sem a minha São Paulo, querida.
Um dia eu julguei que não viveria sem a minha Faculdade de Arquitetura.
Outro dia longínquo eu pensei que não viveria longe dos Jardins, do Centrão de SP, da Vila Mariana, de Pinheiros, do Alto da Lapa…
Depois pensei que não viveria sem o meu adorado e adorável Rio , sem a minha paixão eterna por Copacabana, Leblon. Ipanema, Tijuca, Vila Isabel, Penha…
Pensei que jamais me apartaria do Arpoador, da Praia do Diabo, Posto Nove, Farme, Galeria River, do Baixo Leblon, da minhas caminhadas pelo Calçadão …
Pensei que os filhos seriam crianças por um looongo periodo…a Barra da Tijuca…eu viajava de aviao e olhava lá de cima o “meu Rio…”
Mais tarde, pensei que outra Sao Paulo corria nas minhas veias, da Vila Madalena, Sumarezinho, do Itaim, a piscina do Pinheiros, pensei que não viveria sem o meu carrão , sem a minha mountain bike…várias coisas materiais que eu venderia e esqueceria depois, sem pestanejar, o menor constrangimento…
Pensei que eu nunca nais viveria sen correr 8 km por dia, sem nadar 2.000 metros 80 piscinas todo dia !
Pensei que Londres e o Hyde Park fariam parte pra sempre da minha vida, Knightsbridge, Candem Town.
Pensei que Prince reinaria para sempre imbativel.
Pensei que Nova York teria sempre a minha cara, com os recantos do Gramercy Park, Riverside Drive , Columbus, e minha familiaridade com o Central Park seria uma parceria eterna.
Um dia, pensei que Woodland Hills, o Reservoir de Hollywood, Toluca Lake , Agoura Hills, Calabasas, o Topanga Canyon, Santa Monica, Santa Barbara..
Pensei que tudo isso faria parte de mim .
Pensei mais tarde que a carreira havia acabado, que eu seria um traste, pensei que meu desencanto seria definitivo…
Pensei que o meu empresario na época queria que eu gravasse um disco de covers, que era moda nos anos 90, e que nao havia mais futuro para uma peça de museu como eu. Empresario sem noção … me perdeu…como as coisas foram esfarelando em mim…a vida é beira de mar, e as ondas batem e comem todas as nossas obras feitas para conter o tempo…
Depois pensei que eu renasceria em outro sonho, e que minha vida seria na Bahia, que Barra do Jacuipe seria a minha parada final, etc., etc. ,
O fato é que pude renascer. Um milhão de vezes.
Aí vim parar na Peninsula Iberica…
E aqui estou eu vivinho da silva, com meu sonho mais vivo do que nunca.
E como existe o meu sonho no mundo, esse mundo é o meu lugar.
Tudo se destruiu.
Tudo perdurou.
E tudo agora me parece fazer sentido , absolutamente transitório.
O importante é constatar que estamos vivos onde nosso sonho estiver.
Nossa casa é o nosso sonho.
Nossa capacidade eterna de chorar.
Como eu chorei cada vez que fui tocado por algo indizível, uma inspiração estranha que me faz familiares os espiritos dos lugares mais inusitados. O Eterno faz parte de mim.
Sempre fez. Me fez chorar no Japão, no Jalapão, em Compostela, no Porto, em Piacatuba de Leopoldina, em Macapá, em Foz, em Buenos Aires, no Bonfim, em Villas, em Itapoã e Abaeté Sagrado, e diante daqui da Santa Tereza, do Rio Adaja, por onde teria passado Tiago e agora passamos nós numa aventura riquissima de coincidencias, serendipidades, revelações e milagres de proteção e confiança mutua com esse Eterno.
O resto não é nada, além de circunstâncias e de lindas lembranças. Para sempre.
Seja lá o que tenha sido, valeu a pena e é instransferível, inegociável.
Um dia eu vou lembrar que um dia eu terei sonhado compartilhar , e que também sem esse compartilhamento eu não viveria !!!