Há 40 anos

Rua Augusta anos 70

 

Era assim a velha Augusta.

Encarapitado no fundão do ônibus CMTC, linha Largo da Concórdia, eu subia essa ladeira sonhando em como mudar a minha precariedade.

Reparem na roupa, nos cabelos dos pedestres na calçada : éramos assim.

Exatos 40 anos atrás, participei de uma gravação com Tiago Araripe ( Papa Poluição ) sob produção de Tom Zé, no Estudio Pauta, esquina da Major Quedinho com Santo Antônio – perto do Estadão… Era um estudio de apenas 01 ( hum ) canal. Mas era um bom estudio, onde conheci o Luiz Arruda Botelho e seu fiel escudeiro, o Seu Joaquim da manutenção… : tinha um bom piano de cauda, com microfone Neumann, e isso para mim bastaria no meu projeto de mudança…Egresso do seminal Moto Perpétuo, minha banda progressiva de estreia, eu procurava um meio de viabilizar minha carreira particular, meu sonho de me tornar um músico popular. Mas eu não queria ser “maldito”, ser engessado pela “contracultura” , eu me via indo além do que era oferecido pelo mundo… No ano anterior,os excelentes Secos e Molhados entraram em seu colapso, mas haviam deixado um legado importante : tudo era possível, mas muito adverso. Iacanga, o Festival de Aguas Claras, havia ocorrido em janeiro daquele ano de 75, e eu havia ficado muito mal impressionado com o que se chamava de “cena roqueira”. Essa “cena” era o que tinha : os Festivais haviam ficado para trás, com o recrudescimento da Ditadura…O Brasil era essa caretice que se vê na foto : era mesmo em branco e preto. Nossa banda era muito diferente das demais, tinha peculiaridades devido à minha profunda ligação com o Clube da Esquina, com Milton e Lô, com Gismonti, com Jorge Mautner e Walter Franco. Eu já compunha fluentemente fazendo letras que remetiam ao Nuvem Cigana, uma misturada só…E, claro, acompanhava a ascensão de Elton John, um pianista baladeiro de óculos, e me identificava também : as canções inspiradas, belas, as letras viajeiras e existenciais, tudo tinha muito a ver com o que eu já fazia há anos…Aquele estilo estava na moda. Havia uma música que tocava sem parar : Dream Weaver, de Gary Wright, era isso que eu queria fazer, com pianos elétricos, Elka Strings, baladas… Por volta desta época do ano, precisamente neste mês da Agosto de 75, resolvi fazer uma fitinha em 7,5 polegadas ( fita de rolo ) no Estudio Pauta, com qualidade razoável, que me permitisse levar cópias em todas as gravadoras : RCA,RGE,Phillips, Som Livre, Copacabana, Continental… Lá fui eu, de ônibus, de endereço em endereço, calça boca de sino, cabelão, jaqueta de camurça marron, eu era um cara simples, pobre até ( apesar da casa abastada do meu pai, eu era um “deserdado”… ) deixando minhas sementes de esperança… Mas a esperança não era muito grande, não: tempo de Censura, retração absoluta na MPB, ninguém estava contratando. O Brasil vivia infestado de temas de novelas em inglês: era um filão recém-descoberto, já atolado de ídolos brasileiros com nomes saxões : Morris Albert, Terry Winter, Christian, etc.. E todos da minha geração estavam enfrentando essa brutalidade : ou gravava em inglês , ou nada feito. Oportunidade zero. Além desses “brazileiros” ,as novelas tinham, nas trilhas internacionais, várias baladas tradicionalmente num estilo que era muito familiar para mim : apesar de “comerciais”, eu, particularmente, gostava muito do Bread, do Marmalade ( Reflections of My Life ) , do B.J.Thomas em Rock and Roll Lullaby – verdadeiros hits “blackbusters” – e era isso que eu tinha nas mãos , só que em português : era altamente improvável , mas se desse certo, eu ficaria cara a cara com o sucesso que (quase) ninguém estava sendo capaz de produzir. Mas eu tinha um precedente importante, mostrando o caminho Naquele ano de 75, o disco Fruto Proibido, e a Ovelha Negra de Rita Lee. A Som Livre se mostraria mais tarde o lugar certo pra mim…

Lá em baixo na Augusta, perto da Estados Unidos ( exatamente nesse trecho da foto ) ficava a filial paulista da Som Livre, no primeiro andar de um predinho comercial, e eu subí aquela escada para deixar uma cópia da minha fitinha em 7,5. Fui recebido por uma secretária, a Suely, e me sentei ali, na recepção, querendo falar com o produtor Otavio Augusto Cardoso, o “Pete Dunaway”, que havia sido cantor do Memphis, uma banda paulista importante na minha recente adolescencia… Na sala ao fundo, estava o Diretor Comercial da Sigla, Antonio Paladino, espichou o olhar curioso enquanto eu conversava com Otavinho. Este disse não prometer nada, mas que ia ouvir minhas musicas e que me ligaria caso algo interessasse.

Isso acontecia há exatos 40 anos.