As estéticas,a moda,e os maneirismos….

Nesses 40 anos, literalmente, me atirei no mundo,ví tudo mudar,das verdades quer eu sabia,só sobraram restos,e eu não esquecí toda aquela paz que eu tinha…Eu que tinha tudo,hoje estou mudo,estou mudado,à meia noite,à meia luz, sonhando…
Na letra original não tinha “quando eu fui ferido”,esse componente dramático só entrou para alavancar a música na novela Anjo Mau, na virada de 75 para 76…Provavelmente,se eu tivesse me recusado a alterar aquele primeiro verso,não teria começado a carreira fonográfica naquele momento,teria demorado bem mais ou talvez nem acontecido,vai saber…
Há 40 anos,com a minha saída da incrível banda Moto Perpétuo,eu estava livre para ser um cantor popular, mas a batalha estava desumana. Só se gravava em inglês,para tentar as trilhas de novelas. Meu pai,sabendo que eu queria mesmo partir para a música e largar a faculdade de Arquitetura ( A FAU-USP), já não aguentava mais a minha presença na sua casa e o clima andava literalmente hostil . Na Faculdade, eu andava com um tecladinho de estudos, e ao entrar atrasado na sala de aula fui humilhado por um importante professor de Cálculo,que disse para eu ir mesmo “fazer musiquinha” – os colegas riram e me zoaram. Ali foi um basta pra mim. Quebrei o pau geral, descí para a secretaria,tranquei minha matrícula e fui embora daquele “suplício” para nunca mais voltar.
Angustiadíssimo e neurótico, estive por um triz de me atirar do prédio. Mas na beirada da marquise, lá no alto, na hora “H” eu resolví que era bem melhor me atirar no mundo, que o mundo teria que me aturar, e aqui estou eu.
“Me atirei no mundo” era a frase com a qual eu começava aquela musica ancestral,iniciada no final do ano de 1968 do AI-5 no Brasil,e concluída em 1969,ano de Woodstock. Woodstock marcou muito nos costumes e na moda porque se propunha a instituir uma estética descarnada de maneirismos – ilusão. Instituía outros. Se é verdade mesmo que cada época tem os seus maneirismos, tudo tem como pano de fundo a realidade social, os movimentos pendulares da política,as convulsões econômicas,os colapsos e rupturas,e especialmente os períodos de reconstrução,as decadências e ascensões que propulsionam a moda…
Hoje em dia,aos 40 anos de trajetória,é natural que,para a nossa geração já longeva,pareçam ridículos os maneirismos exagerados de parcela considerável dos protótipos da época atual – especialmente no Brasil, país de notória adesão à superficialidade – mas o Brasil não escapa a uma época mundialmente “nonchalant”, pedantemente “cool” : os corpões malhados “comme il faut”, intuindo-se ali horas diárias de deliciosos suplícios de academia, suas endorfinas naturais, nutrientes e aditivos artificiais,óleos em corpos musculosos de suspeitas intenções e espelhos narcísicos, camisetas justíssimas enroladinhas nas mangas exibicionistas, barriguinhas de fora, ripadas,bainhas de cuecas cuidadosamente desleixadas pra aparecerem sem-querer-de-propósito nos jeans folgadões e caidões,nos exageros das ostentações protopunk,nos ouros dos “funks”,nos aços dos “punks”,nos óculos e bolsas exclusivésimos dos hypsters e descolettes,nas bykes yuppies,nos xadrezes grunge,e muito destacadamente – pro meu gosto- os cabelos batidinhos do lado e espetados no alto (tudo a ver com o design ridículo dos automóveis modernosos -batidinhos atrás e espevitados para a frente), os topetes abusados que nem Elvis ousaria, as impecáveis barbas metrossexuais aparadinhas com o zêlo exemplar das absolutas falta de conteúdo e falta do que pensar,do que fazer,pra onde ir, a profusão de tatoos e seus slogans buscando “fazer política” nos corpos,exibidos a público com seus manifestos de fé e de atitude,tudo isso acaba sendo uma alegoria de transformação numa realidade de mesmice e estagnação.
Parecem costumes antípodas de Woodstock.
Posso prever os impropérios das carapuças que se sentirão ofendidas aqui.
Os topetudos dirão que só pode mesmo ser um careca pra falar tão mal dos topetões. Ah, mas isso com certeza : naquela época,os carecas precoces, jovens como Joe Cocker, viraram símbolos de uma Era, de uma Revolução de verdade,de uma rebeldia que mudava de fato um mundo careta e absurdo. Não me lembro de nenhum topetão fazendo história ali. É bem verdade que teve uma banda palhaça de NY, Sha Na Nas, valeria pelo “teatro”, por ser “100 % Comédia” ,mas passou batido geral, uma atração de quinta categoria dentro de uma coleção irrepetível de gênios :
Outra verdade é que a nossa geração também foi plena de maneirismos: calças boca-de-sino,cabelões forçadamente “transgressoramente” desgrenhados de Jim Morrison, quando não, posteriormente, cabelos de glitter rock farofento, afofados com muito secador, chegando-se mesmo ao cúmulo do ridículo dos “mullets” ,curtinhos em cima e compridões atrás, que fizeram e fazem até hoje a caricatura dos vendedores dos “Guitar Departments” nas lojas de instrumentos musicais…E os primeiros neo-sertanejos também pagaram esse mico…
O mundo sempre foi um festival de maneirismos. Querem mais caricatura do que Hitler, Mussolini,e de resto, todos os “salvadores da Pátria” ?
No pós-guerra, década de 50, o niilismo “cool” dos muitos cigarros filosóficos (essa moda perdura resiliente nos “meios pensantes”) fazia parte de um mundo que precisava se reconstruir do absurdo das Grandes Guerras mundiais e sua macabra Morte Industrializada e do genocídio escancarado ( na verdade o genocídio só deixou de ser escancarado e localizado – agora é geral e “mocozado, na moita”).
Os 50 eram tempos de nouvelle-vague,de samba-canção,da fossa,da depressão alcoólica do “meu mundo caiu”. Os homens usavam bigodinho-e-escovinha e fumavam,ah, os cavalheiros fumavam sem parar. Uma multidão de Humphrey Bogarts, precederam os James Dean e os Marlon Brandos da década seguinte:uma nova onda de niilismo,nos 60 viria carregada de maneirismos “cool”: sussurros minimalistas de Chet Baker,dos sambinhas dos cantinhos dos violõezinhos,nos barquinhos,das tardinhas,tudo certinho em Copacabanas e Ipanemas de uma burguesia declarada com manifesto e claras palavras de ordem, embora progressistas – nada retrógradas diga-se de passagem, mas eram palavras de ordem “aristocráticas-gauche”, o design e moda invadindo as capas dos discos, logo desembocariam na reação popular de classe média-baixa da beatlemania,com seus terninhos “mod” e muitos charmosos joelhos de fora à la Twiggy e Mary Quant,no marketing descarado dos Beatles em suas caretas sessões de barbearia explícita com topetes chanel e corte-tigela, formato-de-capacete, nas emulações descaradas da Jovem Guarda com seus muitos anéis, botinhas de bico-e-salto-alto quadrado…
Nesse trecho, precisamente,entro eu, adolescente com muitas espinhas, com 14 anos no ginásio,sapato de La Pisanina, camisa da Franita com colarinho gigante, de palhaço mesmo, verde-limão, perfume Rastro, etc..etc..A gente era ( e ainda deve sempre ser) ridículo, por menos ridículo que queira parecer…Paciência…Pudemos de quebra curtir a chegada dos discos do Led Zeppelin, a chegada do Rubber Soul, do Revolver e do Sargent Peppers. Muito Steppenwolf, Grand Funk, etc… Que época incrível ! Eu, tocando nos bailes do Tenis Clube da Aclimação…Time of a Season, Donovan, The Zombies… Jimi, Janis vieram um pouco depois, já radicalizando bem mais…Com a evolução da lisergia,muitos panos orientais e oculozinhos de aro,babados rococó retrô…
O Rock era um mote perfeito, mas também tinha um defeito grave do qual seria vítima mais tarde : era eminentemente masculino. Prisioneiro da testosterona caricata, boa parte do que permaneceu cortante no Rock,hoje, se deve muito mais a uma estética gay: Queen, Cazuza, Legião. O resto é pura memorabilia , só “ritos coletivos”, previsíveis, como todo Rito deve ser… Não é curioso ? O quanto o satanismo também precisa ardentemente se assemelhar à liturgia “sacra” ?

Este post se deve muito às críticas aos “maneirismos vocais” introduzidos em re-interpretações de músicas minhas, e, de resto, em todo o mercado da música de hoje…
A mim, não incomodam. Mas eu mudo de estação.
Penso sim que há um excesso contemporâneo em vibratos, melismas e artificialidades virtuosísticas nas vozes que buscam um mísero lugarzinho ao sol, cada vez mais complicado pelo excesso de oferta, sejam sertanejos, soul music, axé, pagode, rock, pop,etc..
È rara a voz “lisa”, despojada de enfeites, que eu me habituei a gostar na Bossa de Nara, nos vocais despojados dos Beatles, nos lancinantes Stones, no rock/pop de Rita, de uma Chrissie Hynde, de uma Annie Lennox, no pop de uma Suzanne Vega, na elegancia econômica e discreta de uma Norah Jones de uma Dianna Krall… : seria a adorável voz lisa um outro maneirismo, uma caricatura de outras épocas ? E que agora se deve transgredir com exagerados pendurucalhos vocais ?
É por isso que eu não me sentiria confortável como jurado de reality vocal…
Rotulou-se como “aristocrático” cantar de forma “lisa” . É um êrro.
No Brasil, pátria das cantoras, eu destaco a maravilhosa Maria Gadú, soberana em estilo. A Danni Carlos com seu hit ( já antológico) “Coisas que eu Sei”, idem para Vanessa Rangel ( Palpite), tantos casos de incrível sucesso, como a Roberta Sá, a Céu, a Vanessa da Matta, a Adriana Calcanhoto, Leila Pinheiro, Joyce, Rosa Passos, Tiê, Mariana Aydar, Bruna Caram… nem dá pra enumerar aqui o quanto a voz lisa é infinitamente mais cortante e atinge mais os objetivos.
Não sei porque esse vício de vibrato. Quem gosta de voz do tipo “atração circense” é diretor de TV, que não entende nada de música e pensa que entende de audiência, pensa que o povão gosta de exagero e de caricatura – descambando frequentemente até para grandiloquencias líricas e histrionismos gospel desnecessários…Até o Gospel deveria cuidar para que o exagero não ponha tudo a perder….
Afora minha firme convicção de que lugar de artista é lá na sala dos calouros, junto com os colegas, e JAMAIS na mesa flavio-cavalcantiana de um “júri” ou nos abomináveis “tronos de jurados”…
Um artista será eternamente um calouro, como eu acho que sempre serei: do lado dos colegas, e não tirando o espaço de jornalistas, produtores musicais, mais adequados para estarem do “outro lado”…
Tenho alergia a essa enfeitação “moderna” da voz. Moderno é o despojamento, menos é mais. Eu iria ser o Zé Fernandes : só nota zero. Não suporto “clones” e nem “covers” – mas como está cheio disso, meu rádio fica muito mais no noticiário : mas aí é que é uma tristeza, só noticia ruim e baixo astral, lava isso, lava aquilo, desligo o rádio. Ligo a TV. Só realities. Concurso de vozes. Muita caricatura barata.
Sejam os exibicionismos “ao estilo” das divas Celine Dion, Mariah Carey, Toni Braxton, Laura Fabian e quejandas ( todas eu adoro, mesmo com excessos, para mim são divas e ponto final, jamais eu criticaria como fez certo colega… ) e que representam um vício insuportável das produções das TVs que privilegiam esse estilo…
Sejam os recursos trucosos de “autotunes” de “vocal punch”, que infestam o pop internacional, com vozes que já vêm desde a tenra infância com um “compressorzinho” insuportável, excessos de respirações, colocações de voz-de-boneca, todas iguais…

Não adianta: pra onde a gente vai, tem caricatura. Mas confesso que algumas parecem feitas mesmo para incomodar, porquanto gratuitas, numa época vazia de ideais e de significados.

Um dia vão lembrar das caricaturas de cada época. Todas podem ser questionáveis…
O que importa, mesmo, é o conteúdo, e não a mera embalagem.
Seja no estilo que fôr, com ou sem adereços, o que fica mesmo são as músicas, as letras, a emoção nas pessoas, os significados.
Querem saber ?
Nestes 40 anos não estou nem aí : no fundo,no fundo, nada da moda incomoda mais.
Só intolerância, ignorância, violência e impunidade.
No mais, cada um vive como quer.