Nova das Nove – a Cara do Brasil ?

Um dia, eu estava no Rio e fui comer alguma coisa numa brasserie do Leblon, local ultra- conhecido por ser “ponto” de um grande escritor de novelas, que frequenta  inclusive sempre na mesma mesa,se encontrando naquele cair de tarde junto com um emeritíssimo diretor de modernas novelas…
Não pude deixar de ouvir, curioso, “orelhão”,eu estava na mesa do lado…
O papo era a próxima novela, decidida em alguma reunião horas antes…
O Escritor perguntou para o Diretor qual seria a história… Em minha solidão atenta, dei um sorriso…

Pensei, por um segundo, com meus botões : porque esses caras não inventam uma novela para recapturar o publico jovem, hoje tão desinteressado no gênero, e que um dia fez dessa TV o império que se tornou… Me lembro do Jornal Nacional tocando Pink Floyd… Poderia ser uma trama ousadamente chamada “Sociedade Alternativa”, abertura com Raul, se passaria numa ilha, para onde as pessoas cansadas com o Sistema, tentariam um modelo 100% hippie e transgressor… Poderia até depois descambar para a velha cupidez, a velha luta pelo poder, sofrer uma decadência,uma desilusão destrutiva, como o proprio caminho da Contracultura,  mas o ponto de partida seria inovador… no mínimo, balançaria estruturas narcotizadas pelo óbvio…  Então acordei do meu delírio, ouvi novamente  eles conversarem….
Vem aí a nova trama das nove…
Redundantemente, mais uma luta de inescrupulosos pelo “butim” de uma família rica do Rio de Janeiro…
É sempre igual, ninguém vê ninguém trabalhando.
O dinheiro é uma fortuna que será disputada por um batalhão de parasitas.
Fortuna construída num passado de esplendores, jamais se vê construir nada.
Essa fortuna, sempre em poder de uma família milionária, um Grupo com nome pomposo, do tipo”Monteiro de Queiroz”, uma Fundação “Amoedo de Castro”, domínios de algum clã, em cuja mansão, nas encostas do Jardim Botânico, ao sovaco do Cristo, sempre ali, se passa todo o “núcleo rico” do enredo, com suas salas decoradas com móveis estratosféricos, decorações inatingíveis, cristais e objetos de arte ostensivos e obscenos. Enquanto isso, no “núcleo pobre”, aclimatado numa favela suave e digestiva, as pessoas são mais humanas e verdadeiras, lutam com o dia a dia, e sobem na vida. Corta então para uma trilha sonora “inclusiva”, com sertanejo, pagode e funk, pura diversão. Ali, o pessoal ainda é visto batalhando, pra conquistar identificações… Alguém do “núcleo pobre”  dá um golpe, pra ficar com toda a grana da mansão, e até um outro personagem rico se casa por amor com alguém do núcleo da favela…

Arquétipos sem fim. Obviedades.
Será que o Brasil não vai mudar nunca ?

Pedí a conta, cumprimentei os dois, até porque me reconheceram… foram amaveis, delicados…Me convidaram a sentar ali, com eles, mas estava ficando tarde, eu não queria atrapalhar os dois nem invadir aquele espaço mágico da ficção, então me retirei, de volta ao meu mundo trivial, um mundo bem diferente, cuja equação é bem mais complexa de se resolver do que num folhetim…  Será ?