California Dreamin´ – o sonho real

Em 87, já no segundo ano de contrato com a CBS ( futura Sony ) eu navegava em mares de almirante, voando em céus de brigadeiro com os êxitos sucessivos de 3 faixas do LP “Despertar”. Olhos Vermelhos, Cheia de Charme e Fã Numero 1 tocaram seguidamente nas rádios…Fulminantes primeiros lugares nos “charts” incomodando muito a crítica… O segundo disco pela CBS também emplacou, e eu confirmava a posição inequívoca de “hit maker” ( o mito de “Midas”) com o álbum “Calor” – “Coisas do Brasil”, “Loucas Horas” e “Mania de Possuir” também andaram bem nas rádios……Os executivos da CBS – Maynard, Condé, Roberto Augusto, e o capo-di-tutti-capi Tomas Muñoz estavam sorridentes comigo, pois eu havia correspondido razoavelmente às expectativas e investimentos nos dois discos de estréia no selo…me mostrado educado, trabalhador, disciplinado, e principalmente sortudo – a sorte , o pé-quente, a pata-de-coelho são ingredientes fundamentais… ! No fundo mesmo, o segredo era não parar de compor, pra não deixar a peteca cair….Não bastava fazer shows,se vender enlouquecidamente pra aproveitar a maré do sucesso, era necessário ir olhando lá na frente, sempre com o foco no ano seguinte…Eu já era experiente, veterano. Estava numa grande escuderia, e o carro, veloz, precisava de uma condução de fórmula 1. Piloto bom sempre olha 100, 200 500 metros à frente… Se parar pra reparar no presente ou pensar nos segundos passados, já era… Nossa geração era muito veloz. Havia se preparado, e o nosso tempo havia chegado. Por um lado, vivíamos o prazer do sucesso popular, mas, por outro, a desconfiança nas rodinhas “pensantes”, mais intelectualóides, desconfiadas do esquema agressivo das “majors” da época… É bem verdade que as Fms eram muito parecidas, quase todas – senão todas – eram “pop rock”, uma hegemonia consagradora da geração pop 80 – Era virar o “dial”, à 18:55 horas, e constatar que a última musica antes da Hora do Brasil, em todas as FMs, era a mesma…Muitas vezes, minha… o Brasil redescobria a crescente liberdade criativa, juvenil, no declínio da ditadura e vivia uma “bolha de classe-média” com o Plano Cruzado de Sarney e Dilson Funaro..A moda nacional eram os artistas de classe-média Zona Sul,como Lulu, Marina, Barão, Lobão, Engenheiros, Paralamas, Kid Abelha, Leo Jaime, Brylho, RPM, RadioTaxi, Titãs, Ira!, Metrô, Ritchie, Dalto, Kiko Zambianchi, Ultraje, Plebe Rude, Inimigos do Rei, e muitos outros ( qualquer esquecimento aqui me desculpem, era tanta gente…Rita, Roupa Nova e 14 Bis eram mais antigos, mas se mantinham, Capital, Legião, e outros apareceriam um pouco mais tarde). Nosso templo-sagrado era o Chacrinha….uma atração semanal democrática, variada, com todos os estilos misturados numa sequência alucinada, herança da era do rádio… Com a chegada de poderosos sintetizadores polifônicos, dos digitais, das baterias eletrônicas ( entre estas a japonesa Roland TR, a americana LinnDrum e a inglesa Simmons), a implementação das conexões midi e dos primeiros seqüenciadores, dos primeiros Samplers ( Emulator, Emax, Akai S1000 ) o pop-rock no mundo todo se tornava um labirinto perigoso de sonoridades bizarras, e ia se tornando mais e mais mecânico…De minha parte, eu estava bastante defasado, era difícil acompanhar o tsunami digital…Eu só tinha um Sequencer Plus da Voyetra, rodando num IBM PC ( 16 Mb de memória…kkk…) ainda em rudimentar linguagem C ( Compiller )…um DX7, o velho Voyetra analógico híbrido e uma Linn Drum, ( sem midi, dependendo de um Garfield MiniDoc para sincronizar ) Com isso eu havia feito uns 8 hits. Alguns produtores de vanguarda já apareciam com os Performers ( Motu ) ou Steinberg /embriões de Cubase -em Macs classics de 30 khz…kkkkkk…Isso era a hightech da época… Gravações pra valer ainda eram em Studers/Otaris/Ampex de 2 polegadas, e a gente se virava com 24 canais, raramente sincando 2 maquinas pra 48 pistas…Estúdios caríssimos…produções trabalhosas.
Os executivos sugeriram naquele 1987 a Califórnia para a próxima produção, onde Ronnie Foster poderia contar com seu arsenal eletrônico e seus contatos com músicos renomados para “sessions” mais ambiciosas…Elá fui eu, com meus midi files de pré produção, várias canções e letras prontas, rumo à adorável Los Angeles, uma cidade incrivelmente extensa, uma área de desertos, canyons e praias de águas geladas no Pacífico…Meu parceiro Nelson Motta ficou com a incumbência de entregar uma letra – que só entregou via fax, aos 45 minutos do segundo tempo – “Marina no Ar”. Na minha chegada, Ronnie Foster me esperava no aeroporto, veio me buscar com sua BMW Serie 5…Ele ainda morava em Glendale, onde tinha um estudiozinho numa garagem. Um batalhador, muito disciplinado, tocando um absurdo de piano, órgão e sintetizadores, Ronnie se tornou um amigo chegado e muito engraçado – só comia “fried chicken” , acho que pensando em manter a forma…ilusão…Mas a gente se identificou por causa da música, Ronnie me respeitava muito como compositor, meu estilo baladista, internacional, com toques de bossa e brasilidade, que eles tanto adoram por lá. Fiquei hospedado alguns meses num flat – Oakwood Apartments-, atrás daquela colina onde fica o letreiro HOLLYWOOD tão famoso, próximo aos estúdios Universal, na divisa de Hollywood com Burbank. Me lembro com carinho e saudade do “Reservoir”, uma represa debruçada sobre Beverly Hills e Hollywood, bem no alto das montanhas…Um percurso de mais de 10 km em torno da represa, todo arborizado, com mansões milionárias em volta…Que privilégio correr e caminhar todos os dias ali ! E que solidão, também…eu nunca havia passado um tempo tão grande fora de casa, mas a Califórnia, no meu Mustang branco de locadora, era tudo de bom…O supermercado Vons, a loja Frys de eletrônicos, e..pasmem…os pés de erva-doce na beira das freeways, as sementes que eu colhia e fazia chá…coisas que só conheci na ensolarada e sorridente LA…
As sessões com Ronnie eram muito produtivas. Ele alugou um estúdio em Lankershim Boulevard, o “Ameraycan”, do Ray Parker Jr ( aquele que ficou milionário com o tema de Ghostbusters… ) , muito bom, e lá havia um piano acústico brilhante, como eu gostava, com o qual gravei “Um dia um adeus” tocando e cantando ao mesmo tempo ( Ronnie me ensinou que dessa forma piano e voz são “connected”, ou seja, ficam imbatíveis, a canção ganha outra vida – mas é preciso que o intérprete seja competente pra isso ) e essa foi uma gravação histórica, ainda mais com o arranjo magistral de cordas de Jorge Del Barrio. Tenho uma dívida eterna para com esse maestro, tão boa gente, uma pessoa doce, inspirada. O que ele escreveu para o meu disco, nunca vou esquecer. E ele me reverenciou, muito…A gente chorava no estúdio, e essa gravação fez Maynard chorar também, no telefone…Uma manhã cheguei no estúdio e tinha uma galera se preparando para uma “big session”, e não acreditei…eu iria encarar, simplesmente, Vinnie Colaiuta na bateria, muito gente fina, alto astral, me pedindo as partes e sugestões de levadas, Jimmy Johnson, no baixo, elogiando as canções, Bruce Gaitsch, nas guitarras e violões, dedilhando e saboreando minhas harmonias, o famosérrimo Alex Acuña montando seu set de percussão, e alguns dias depois, Larry Williams com seu sax e teclados…Não preciso dizer que me emociono ao lembrar que fizemos muito mais do que sucesso. Qualidade para sempre. Me lembro que em outra sala estavam rolando outras produções, com Ray Parker JR , com o produtor Ollie Brown, e o estúdio tinha um frenesi de celebridades, carrões, muito glamour de roupas e óculos, gente bonita, ensolarada e gentil, não sei se é um cenário, se é falso, mas aprendi que a Califórnia é um estado de espírito… Nessa temporada fui, com Ronnie, assistir um incrível show do David Samborn, no Hollywood Bowl, com direito a backstage/autografos/buffet no final…Ronnie foi chamado no palco, era íntimo daquela “gig”, daquela cena de LA…E dias depois houve um churrasco também, na casa de Bruce Gaitsch, em que todos foram, e todos me tratavam como uma personalidade – já que Coisas do Brasil tocava direto na Califórnia – e me elogiavam abertamente como compositor. Fiquei muito marcado por essa temporada imperdível da minha vida, muito pelo lado humano que encontrei. Tive até direito a um mini-terremoto, um tremor nível 4, quando acordei com um bate-bate dos quadros nas paredes, parecia um trem passando…Saí para o estacionamento, e todos os moradores estavam fora dos apartamentos…Fiquei sabendo que isso era normal…Na volta para o Brasil, outra vez emplacamos com “Ouro”, tema da novela Sassaricando, e com “Um dia um adeus” na novela das 8, Mandala. Um outro ponto positivo desse ciclo foi a gravação de “Imagens”, uma música precocemente ambientalista que eu havia composto especialmente como tema do genial e íntegro Fernando Gabeira para a Prefeitura do Rio – na fundação do PV. Um vídeo, para o Fantástico, em Poconé, no Pantanal, foi gravado e dirigido por Paulo Trevisan, e retratava a destruição da natureza pelo garimpo predatório. Um luxo !

( 4 de Outubro de 2013 )