CRUCIFICADO

Aqui onde estamos há um bom  tempo… em nossas andanças, vou constatando o peso e a fundamentação do Cristianismo na Europa, algo meio fluido, meio líquido e amorfo para nós, catequizados pelas Colônias… Daqui destas Metropoles, onde a religião se propulsionou substituindo o Império Romano, aqui de dentro das matrizes dessas Colônias, há um verdadeiro Espetáculo. O enredo é contado com uma pompa e circunstância inigualáveis, e com uma incrível moldura de riqueza e glorificações materialistas, revelando uma natureza contraditória da Fé, oscilando sempre entre a Força do Poder Ilimitado e o despojamento da Pureza Desprovida de qualquer Poder que não fosse sua Imanente Verdade…

Uma sensação recorrente, desde menino, na minha pureza da infância inocente, e que teima em reavivar a todo momento, é a resposta íntima a uma pergunta que se recusa a calar cada vez que me defronto com a cena da crucificação, tão cara à Religião e à iconografia da Fé…

…”O que está ali ? “

O que vemos, realmente, quando estamos diante de tão inúmeras obras de arte magistrais, diante de altares e templos, que retratam repetidamente a mesma cena, um Ser Iluminado “em forma humana”, semi-nú, crucificado, e esta cena conter como memorial descritivo a saga de UMA DAS MAIORES CANALHICES ( e de resto, provavelmente a maior INJUSTIÇA ) de toda a História  da precaríssima Raça Humana sobre este planeteco de pequena significação ( hoje sabemos ) num Universo que a cada dia se revela mais e mais insondável…

…”O que está ali ? “

O Fato é Real ?  Sim,  é Real, até pelos precedentes de outras inúmeras consagradas injustiças e conhecendo um pouquinho a Raça Humana não fica muito difícil de se acreditar que tamanha canalhice tenha mesmo acontecido : é para isso que serve a imponente construção de toda uma Cultura : fazer acreditar e edificar em cima dessa crença. Com isso, a Arte ganhou um impulso extraordinário no Ocidente, e o Apogeu de uma coisa está ligado ao Apogeu de outra. O que fica evidente nesta chamada “Cultura Ocidental” é que todo seu monumental alicerce repousa nesta cena-símbolo, importada do Oriente, e que atinge em cheio a náusea humana com sua própria canalhice. É magistral como Obra, e uma Obra coletiva, de sucessivas gerações, e que explode em esplendor de ornamentação quando, com as navegações e Colônias, o ouro passa a ser derramado neste Continente hegemônico.

…”O que está ali ? “ … naquele Ser abandonado num martírio supremo ?

É o retrato do próprio abandono da precária Natureza Humana, o retrato de toda a maldade da subjugação dos povos, da retaliação à “rebeldia” do Iluminado, não por acaso representante rebelde de uma etnia que não se dobrou outras vezes – e que não se dobraria jamais – uma etnia rebelde que sempre se disse Especial e herdeira direta do Criador do Mundo, em tradições construídas em Escrituras com Profecias…

Aquele homem nú, ali, está entregue à turba ignorante e manipulada pelo fanatismo sectário, que se aproveitava de uma escravidão a um Império sanguinário de dimensões e crueldades sem precedentes (outro símbolo embutido ali, em sua coroa de espinhos e seu corpo todo esfolado, supliciado), um Império pagão que ali naquele arrabalde triste (daquele mundo da época) estava crucificando multidões de corpos apodrecendo a céu aberto… aquele homem nú ali está assassinado por trazer revelações e ser dotado de uma mensagem nova no mundo, avassaladora e revolucionária de fato por vasculhar a alma e o poder da Natureza Milagrosa da fé e propor uma nova modalidade de Aliança…

Aquela é uma cena propositalmente mórbida, torturante, mas também se propõe a trazer o retrato da suprema vitória do Espírito sobre esse abandono e sobre essa morte inútil – enquanto suplício e aniquilamento desse Ser – já que, nos momentos que se seguem a essa Cena, esse Ser se levanta para a Eternidade e humilha a pequeneza de toda canalhice a que foi submetido…

Bem, este é só o princípio deste relato sobre esta pergunta que permanece :

…”O que está ali ? “