Universo de Desperdício

…após um longo período de maturação, volto pra acrescentar aqui um subtítulo…

O nome da Opinião de Humanidade é: Marketing !

…marketing é TUDO que acontece quando alguma obra ou conhecimento se destaca do “limbo do descaso” na História…

podia não se chamar “Marketing” nas diferentes Eras, mas JÁ ERA e SEMPRE FOI.

O Colosso de Rhodes… as Pirâmides… o Farol de Alexandria…

Uma encomenda para que um gênio pintasse a abóbada da Capela Sistina era puro… Marketing.

Uma encomenda para que Bach compussesse os Concertos de Brandenburgo era puro… Marketing.

A Muralha da China… Neil Armstrong na Lua… e coloquem aí o que bem quiser… acho que nem o Sagrado escapa ! ( quando tudo é “construido” para a mitificação, para a opinião…  infelizmente é assim mesmo que caminha a humanidade )

Uma das aquisições mais avassaladoras da idade é a consciência do imenso desperdício que acompanha a vida. Às vezes, nos parece um mundo estúpido que não responde (ou responde mediocremente)  às nossas ações, nossos esforços e obras parecem sempre muito aquém das especificações e exigências : um mundo cobrador e extremamente pão duro em gratificações, quase nada recíproco.

Num País esbanjador como o Brasil, considerado historicamente um celeiro “inesgotável” de possibilidades e recursos, esse fenômeno parece ainda mais perceptível : a palavra do Brasil é “desperdício”: de recursos naturais, de idéias, de projetos, de esperanças, desperdício inacreditável de vidas. Vidas desperdiçadas. Gerações perdidas, décadas perdidas, oportunidades históricas jogadas na lixeira monumental do desperdício brasileiro. Talvez nosso fenômeno seja mesmo amplificado por nossa precariedade e ausência de experiência histórica, um país eternamente imaturo. Mas se olharmos bem, não estamos sozinhos. A Humanidade é precaríssima, e até a religião, que se propõe a dialogar com o “infinito imutável” , é toda ela fundamentada no desperdício e no sacrifício quase sempre em vão : daí a necessidade da “fé” para preencher o vácuo da inutilidade do homem. Da vida ? Mas o Universo também parece quase que “totalmente em vão”, e a palavra “vão” é riquíssima para descrever um vazio que é preenchido por uma incalculável infinitude de possibilidades, tentativas e erros numa escala em que o acerto não é a regra. Mas a quantidade redime a Criação : então é um Universo esbanjador, para compensar o pão-durismo do êxito !

Quando somos criativos e generosos, isso nos faz felizes, em nossa sanha realizadora, vamos tocando em frente sem prestarmos muita atenção no imenso descaso com que o mundo trata a Obra da Criação. Partindo-se do pressuposto do próprio fenômeno da fertilidade, podemos perceber como é que o Universo funciona. Somos um gameta vitorioso entre dezenas de milhões, isto numa única oportunidade de fertilização. Serve para dar uma ideia do quanto somos fruto de uma resiliência da natureza, que, para atingir o índice de “sucesso” a que se propõe, gera sempre milhões de bilhetes-de-loteria. Universo Lotérico.

Comecei cedo com meus sonhos, dei sorte inúmeras vezes, e estava  quase sempre pronto para montar e cavalgar o cavalo-selado dessa “sorte”. Me dizem que sou pródigo em “sucessos”, e até exageram com o mito de Midas de que é “tudo sucesso”… A estas alturas da vida, é natural que eu deite um olhar retrospectivo e me surpreenda com a quantidade de músicas trabalhosíssimas e intrincadas que eu fiz e que ninguém conhece, e muito provavelmente quase ninguém conhecerá. Mas as Sonatas de Scarlatti também são assim: nem eu mesmo, que sou “apaixonado” por elas, as conheço, e sonho um dia ter tempo de abrir aquele livro comprado na loja da Yamaha em Tóquio, e sentar ao Cravo e finalmente estudar, para a minha paixão fazer sentido.   Dá até uma espécie de “tristeza”, uma melancolia, uma sensação de que tanta coisa passou em branco, o mundo não teve capacidade de absorver nem 1% do que foi gerado. Uma sensação de que a vida vai de trambolhão, que não dá tempo de nada mesmo. Mas olhando à volta, vejo que não estou solitário. Drummond, por exemplo, é (mais) conhecido por dois versos :  “…No meio do caminho tinha uma pedra…” e “…E agora, José ? “

É isso que o mundo é capaz de reconhecer ? E é isso mesmo tão importante, o espelho do que o mundo nos diz ?

O que dizer do Beethoven, cuja obra monumental, para a patuléia do mundo em geral, se resume à Pour Elise dos caminhões de gás, ao “Tchan Tchan Tchan Tchan”… da sua Quinta e meros trechinhos épicos da Nona…não mais.  O que dizer de Michelangelo, com o seu David , Leonardo com sua Mona Lisa, Shakespeare com seu bordão “Ser ou não Ser”, Tom com sua Garota de Ipanema, Newton com a Gravidade, Disney com o Mickey , etc. etc. etc. etc.  O mundo vulgar é feito de “greatest hits”, de lírios de Van Gogh, com sua orelha decepada. O Charuto de Churchill. A Boina de Che, o bigodinho de Hitler. A luneta de Galileo. Flor de Lotus de Buda. Madeiro de Jesus. O mundo é um hit-parade ?

E o desperdício seria essa “matéria escura” que forma o Universo.

Por isso, não faz mal se o mundo ignorou solenemente 99,9999% do que a gente fez.

Faz a gente se perguntar : será que a gente também não é seletivo, e só se lembra de 0,0001% do que a vida nos deu ?

No meu caso, apesar da tristeza, eu olho pra trás com o olhar da Gratidão, e juro que vou procurar a paz em mim.

…senão a gente pira !