Ano Novo

Perdas e Ganhos : Reflexões de Ano Novo…
A cada ano que passa, é mais um ano que se foi … ou é mais um ano que foi agregado ao nosso acervo ? Essa é uma boa pergunta… Porque, afinal, viver sempre se constitui em ganhos e perdas, e disso não há como escapar.
Perdas muitas vezes são mais visíveis, menos sutís, a partir do próprio conceito da pureza original do bebê, referência para todas as correntes espirituais desde que o mundo é mundo.
Entre as primeiras e mais inocentes perdas, há os dentes de leite, que, se a memória não me falha ( olha a perda aí, gente…) eram jogados no telhado das casas, acompanhados de um pedido…me lembro dessa cena lá em Araraquara, na casa do vovó Iracema…Dessa mesma infância, me lembro da São Silvestre, transmitida pelo rádio gigantesco do vovô Luigi Martuscelli, um radião de madeira que “pegava” canais de ondas-curtas do mundo inteiro, com uma antena exagerada de “molas” penduradas no forro do teto da sala… Mas a São Silvestre era sempre uma decepção, nunca adiantou torcer – aquele silencio no meio da barulheira- tinha sempre um tal de Emil Zatopek, um chato de galocha pra ganhar…
Nunca entendí essa história de Ano Novo. Porque as pessoas precisam festejar uma coisa tão corriqueira, que aliás ocorre em minutos e horas desiguais num mundão redondo que gira em períodos desiguais em torno de si próprio, e em anos ainda mais desiguais em volta de uma estrela de quinta categoria esquecida num arrabalde secundaríssimo de uma galáxia de terceira categoria lá nos cafundós de um espaço sem fim… serão mesmo os humanos seres racionais ?
Mesmo assim, prefiro incorporar o ano que se vai como mais um na minha coleção particular, que ninguém jamais vai roubar de mim. Esse ano que se vai, ninguém tasca : tá bem vivido-da-silva, e por isso é que é motivo de alegria pra mim… Não é o ano que entra, porque ele ainda não mostrou serviço. O futuro é incerto, mas claro que é bem-vindo, não sou imprudente a ponto de negligenciá-lo e nem de deixar de reverenciá-lo com todas as pompas de praxe, como manda o figurino…
Feliz Ano Novo, tudo bem, mas “adeus” Ano Velho é lamentável pra mim !
O Ano Velho é que está ganho !
…É que tenho pena do aninho que se vai, por mais decepcionante que tenha sido, não merece tamanha desconsideração, tadinho. Me bate uma tristezazinha boba, porque afinal nos apegamos a ele… Nem deu tempo de convivermos direito, e ele já acabou assim sem mais nem menos. Tínhamos tantos planos juntos – e faz tão pouco tempo, ele ainda era novinho e tão festejado, cheio de expectativas… Hoje é só mais um ? Negativo.
Pelos anos que se foram, sinto muito quem discorda, mas tenho um carinho especial, todos são fundamentais.
Essa é a minha vida. A única coisa que, de fato, não posso jamais negligenciar.
 
O futuro, já responde o ditado popular a Quem pertence!
O que podemos mais desejar uns aos outros?
Apenas que as pessoas possam conjugar os mesmos verbos : dormir, acordar, caminhar, correr, enxergar, saborear, sentir, respirar, ouvir, falar, provar, tocar, amar, conversar, entender, compreender, comer, beber, digerir, defecar, urinar, beijar, transar, gozar, engravidar, dar à luz, aprender, ensinar, escrever, desenhar, costurar, fabricar, trabalhar, estudar, sonhar, sobreviver enfim…
Qualquer verbo, por mais “secundário” que fosse, mas que nos fosse subtraído, e que fosse importante para nós – faria toda diferença !
Que não faltem Verbos – que nenhum deles nos faça falta em 2018.
O resto, a gente tira de letra !

O dia em que tomei café da manhã com Kirk Douglas ….

 

Um dia, cheguei num sábado a Londres, e desavisadamente esquecí que era fim de semana, e não tinha como pegar a chave do apartamento do amigo pianista Marcelo Bratke , em Knightsbridge, onde eu passaria vários meses, muito marcantes na minha vida, por sinal… Com as malas na mão, sem hotel pra ficar, me ví “obrigado” a atravessar a rua e me hospedar no antigo ( e legendário) Hyde Park Hotel…( uma nota preta… mas… pra ficar 2 dias… nada que o cartão de crédito não resolvesse …paciência…)
Exigí então um quarto que ficasse na torrezinha…com vista para o verde do parque.
Ao chegar no apartamento, uma cestinha de produtos da exclusivíssima marca “Penhaligon´s” na cama com dossel,( e eu ficaria viciado dali pra frente ) … já me anunciava o final de semana mágico que me surpreenderia….
Ao descer de elevador, pude conhecer este simpaticíssimo senhor …
Um dos maiores atores de todos os tempos no mundo…
Fui logo puxando papo…
Encantado com minha conversa fiada, com o fato de eu ser um compositor de música brasileira, Mr Kirk virou pra mim e disse : OK , let´s take the breakfast together !!!…
Descemos então para uma pérgola envidraçada , com vista para o Carriage Drive ( Hyde Park ) , e, ao som de violinos tocando Vivaldi, pude contar a ele um pouco do que é fazer música no Brasil.
Tomamos champanhe com morangos … que chique.
Um encanto , inesquecível !

Nesta vida tem cada surpresa… tanto da vida real como do Cinema !!!

https://cinema.uol.com.br/…/ator-lendario-e-pai-de-michael-…

O dia em que Glauber cagou para mim…

Um dia, lá no (nem tão ) longínquo ano de 1978, eu estava numa mesa do ( até hoje lendário ) Fiorentina do Leme, já trabalhando o disco A Cara e a Coragem pela Warner de Midani, e ví de relance que numa mesa próxima estava o sempre falante e carismático Glauber Rocha…
Empolgado com o magistral diretor, fui lá cumprimentá-lo como mero fã tietão…Dizendo que eu adorava ele, etc.. que bobo ! Ele perguntou (assim genericamente, falando alto para todos ouvirem, como era bem o seu estilo ) quem eu era, para, assim sem mais nem menos, dirigir a palavra a ele…”Quem é esse bosta que me dirige a palavra ? ”
Orgulhoso com minha canção “Amanhã” , que naquela época fazia a trilha da genial novela “Dancin´Days”, respondí que eu era o compositor Guilherme Arantes…
Pessoas que estavam com ele falaram da novela, etc.. constrangidas com a indelicadeza do “gênio” …, mas não adiantou … Glauber cravou impiedoso : “Caguei pra você, pra mim você não é ninguém…”
Ora, quem havia me perguntado “quem eu era” foi êle, que , nobiliárquico, exigiu “credenciais” para que lhe dirigissem a palavra…
Que lindo !
Um episódio tão marcante…inesquecivelmente característico.
 
Com o tempo, aprendí que esse comportamento sempre foi recorrente entre os endeusados, quando interiorizam, assimilam à sua “persona” o próprio mito…
Sei que é ridículo, mas ví muito disso, não foi uma, nem duas, foram várias vezes que figuras similares agiram assim, em episódios lamentáveis e gratuitos, e nem só comigo, isso acontece toda hora, com todo mundo, uma atitude que hoje eu sei classificar como “auto-flagelo em público”, é uma auto-desconstrução proposital, pra se tornar figurinha polêmica : faz parte daquele show…
Precisavam disso ? Acho que sim, pois são personagens, e acreditam numa dissociação entre o mito e a pessoa. No fundo, a escrotidão acaba funcionando como adjutória à consolidação do mito…
às vezes a obra nem é tão genial assim, tão seminal, tão acachapante… mas a polêmica o mundo adora !
No fundo, isso também ajuda a figura a se auto-destruir no ressentimento.
E há várias modalidades de auto-destruição, com as quais os mitos auto-construídos podem se deleitar e afundar em seus potes até aqui de mágoa !
O mundo, que é perverso, só saboreia.
 
Hoje, quase 40 anos depois, ainda acho ele genial, e aquela atitude ainda acho naturalíssima. Viva o cineasta !
Não era isso que ele queria ?
 
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2017/12/1941254-terra-em-transe-faz-50-anos-e-levanta-reflexoes-sobre-a-atualidade-do-roteiro.shtml