Só quero tempo

Eu já vinha percorrendo a saga de contar todas as minhas peripécias na música, fazendo o documentário em vídeo e turbinando a caixa de 40 anos, com todos os meus discos, ambos produtos que estão pra sair ainda neste 2016…com a data redonda da minha estreia como cantor/compositor solo, em 1976…

Contar as histórias é quase tão prazeroso – e doloroso também – quanto ter vivido tudo aquilo, ter criado tudo aquilo, ter levado adiante um sonho, e querer amarrar esse sonho em relatos consistentes e ricos em detalhes, num mundo tão antrópico ( no qual é sempre muito mais fácil dissipar a energia nobre da luz e da eletricidade, deixá-las degradarem no calor do esquecimento )…

Ganhei um livro excelente, “As letras dos Beatles”, (A história por trás das canções) de Hunter Davies, editora Planeta… Muito bom, principalmente pra mostrar a importancia do tempo na construção do conteúdo.

No caso dos Beatles, a química entre os componentes foi magistral, e é de se admirar o quanto havia um caldo de cultura naquela época, para a criação do novo. É fascinante entrar nos meandros da usina de arte de John, Paul, George, três companheiros de adolescência que mais tarde, com Ringo, com Epstein ( o quinto Beatle) levariam os delírios criativos dos anos 60 ao paraiso da perfeição. Mas também é fascinante observar a rotina extenuante dessa carreira, e os danos causados por ela.

Fica claríssima a contraposição do “show business” à produção criativa. Há um momento em que Paul declara que um homem com mais de 60 anos deve ficar no estúdio criando, e que jamais ele ficaria na estrada fazendo shows e se repetindo…É engraçado…logo ele que, dos quatro, se tornou o mais disciplinado à repetição e à consagração na cultura de “arena”…Se tornou exatamente o que apostava que jamais aconteceria.

John se apresenta, a princípio, como o chefe, o “guru” da banda, o ímã atrativo, com o “drive” exato que impulsionaria os Beatles, mas depois, com a vinda de Paul, se revelou a face metódica e determinada, e nessa competição, desde cedo se estabeleceu uma dinâmica mortal de criatividade na fabricação de canções. Ambos se superavam na genialidade, e essa genialidade era baseada no prazer e no divertimento da atividade criativa. Eis o segredo… e ainda mais, com a participação de um terceiro (George) com ainda mais habilidade instrumental, com seus mistérios e profundidades, era um trio incomum de criadores ( jovens, muito jovens). Ringo caiu como uma luva, com sua humildade e generosidade, passando a estabelecer as levadas fundamentais pra que aquela “guig” se tornasse uma coqueluche que o mundo tanto desejava…

Mas é bom observar a batalha – e a disciplina da genialidade.

Melhor ainda analisar o processo de degradação que essa disciplina, mantida à base das expectativas de um mundo explosivo , com o tempo foi minando a centelha do prazer .

O sonho, de tão veloz e alucinado, se transformando em traquitana desagradável dentro das mentes e corações…

Hoje, num tempo em que o “show business” venceu, é quase incompreensível esse laboratório.

E é nele que eu estou preparado, pronto, pra mergulhar.

Que privilégio.